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Singularidade do indivíduo e integridade da espécie humana: como as percepções psicológicas e as espacialidades construídas pelo ser humano interagem nessa relação?

  • Lu_rsr
  • 9 de jan. de 2024
  • 36 min de leitura

Atualizado: 24 de mai. de 2024

Luciana Regina Silva Rodrigues

Master em Neuroarquitetura

Instituto de Pós-Graduação - IPOG

São Paulo, SP, 14 de abril de 2023  

 

 

Resumo

Este artigo incita ações reflexivas prévias às definições de estratégias projetuais na atualidade, de forma a melhor compreender o desenvolvimento das relações individuo-sociedade-ambiente-ecossistema entre afetados (e passíveis de afetação). Em questionamento acerca da responsabilidade envolvida junto aos profissionais atuantes em intervenções em espacialidades, objetiva-se ressaltar a importância da compreensão do contexto para críticas coerentes e justificáveis à intervenção e para estabelecimento responsável das estratégias. Por meio de pesquisa exploratória, sob técnica de revisão bibliográfica com publicações emitidas no século XXI, pretende-se analisar qualitativamente os dados documentais. A partir de indagações opostamente complementares ao foco bibliográfico coletado, se busca incitar novas discussões acerca das complexidades e das limitações envolvidas para definições de estratégias aplicáveis a intervenções de espaços físicos. Conclui-se que a ação projetual envolve análises prévias mais profundas acerca do comportamento humano (e dos indivíduos envolvidos) para real compreensão do contexto, da efetividade e dos impactos da intervenção. Considerando ainda um corpo profissional diversificado em cooperatividade para análises transdiciplinares. Resguardando e prosperando a saúde de usuários e do meio quando o conjunto de estratégias definidas para ação interventiva tende a estar equilibrado com os propósitos coletivos e as necessidades essenciais dos indivíduos afetados (ou passíveis de afetação) de referido local.


Palavras-chave: Interações Pessoa-Ambiente, Interações Sociais, Afetos, Percepções, Análises Psico-socioambientais

 

 

1. Introdução

A motivação para desenvolvimento deste artigo surge pela urgência com que a humanidade está adoecendo à própria espécie e ao seu Habitat, favorecendo não somente sua própria extinção, como a de muitas outras espécies – pertencentes ou não ao mesmo ecossistema – em constatação e resposta à severidade com que os fenômenos naturais se demonstram cada vez mais intensos em busca de seu próprio equilíbrio. Trazendo parâmetros a nível mundial e, em alguns momentos, específicos ao Brasil por meio de bibliografias publicadas no século XXI, em esferas multidisciplinares – voltadas para estudo do ambiente, do ser humano, das percepções, dos afetos, da identidade, das relações e interações entre estes. Buscando, assim, sinalizar a responsabilidade conferida aos arquitetos, urbanistas, profissionais, órgãos e instituições envolvidos na concepção e intervenções de espacialidades e ações projetuais da atualidade a partir da elucidação da complexa dinâmica das relações psico-socioambientais.


Os desastres ambientais mais frequentes podem estar ligados com as mudanças climáticas e a degradação do meio ambiente [...] Um dos problemas enfrentados pelo país, segundo o especialista do Cemaden, é a falta de planejamento urbano e a construção irregular de imóveis em encostas, morros e em lugares proibidos. Esses fatores podem agravar os episódios e causar mais destruição. (TV CULTURA, 2023)

Há inclusive um apelo global com o estabelecimento dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU) que:


[...] compõem uma agenda mundial para a construção e implementação de políticas públicas que visam guiar a humanidade até 2030. A agenda contempla um plano de ação internacional para o alcance dos 17 ODS, desdobrados em 169 metas, que abordam diversos temas fundamentais para o desenvolvimento humano, em cinco perspectivas: pessoas, planeta, prosperidade, parceria e paz. (Embrapa, [s.d.])

Porém, o contexto global se agrava quando a própria humanidade, responsável pela força tarefa em prol dos ODS, está adoecendo diante da velocidade de (novas) medidas, ações e respostas cuja a humanidade se submete, negligenciando as próprias necessidades existenciais, educativas e regenerativas da espécie, afetando inclusive as novas gerações. A exemplo, o aumento dos transtornos mentais, como ansiedade e depressão, conforme panorâma feito pelo Instituto Feliciencia:


Entre o período pré-pandêmico e o primeiro trimestre de 2022, registrou-se no País um aumento de 41% nos diagnósticos de depressão [...] A OMS, por sua vez, apontou recentemente incremento de 25% na prevalência de transtornos de ansiedade e depressão no mundo e igualmente no Brasil. Importante ressaltar que antes das ameaças impostas pelo coronavírus, o Brasil já era o país com a maior incidência de depressão na América Latina, além de figurar em primeiro lugar no ranking mundial de TAG, o Transtorno de Ansiedade Generalizada (FURTADO, 2022:6).

Ainda mais preocupante é o aumento suicídios e de violência nas escolas, pauta que gerou as propostas aprovadas em plenário PL 1372/22 e PL 2847/22, onde a primeira engloba ações de prevenção contra a violência nas escolas, articulando variados níveis de governo e, a segunda, “cria uma política nacional para prevenir e combater a automutilação e o suicídio, dois problemas que afetam a faixa etária mais jovem da população” (RÁDIO CÂMARA, 2022).


Outros indicadores alarmantes são os fatores de agravamento para afetos negativos numa população mundial que ultrapassa os 8 bilhões de indivíduos (ONU, 2022) -sendo mais de 207 milhões, a estimativa da população do Brasil (IBGE, 2022) – onde, conforme pesquisa feita pelo McKinsey Global Institute, em 2017, e apresentada na nova agenda urbana da ONU, “entre 400 milhões e 800 milhões de pessoas em todo o mundo podem perder empregos devido à automação até 2030”. Neste mesmo documento:


A existência de bilhões de pessoas em dificuldades, centenas de milhões enfrentando fome e números recordes de habitantes do planeta fugindo de casa em busca de ajuda, além de questões como “dívidas, dificuldades, guerras e desastres climáticos” [...] a menos que seja superada a lacuna entre os que têm e os que não têm recursos, o mundo está se preparando para um ser um lugar “cheio de tensões e desconfiança, crise e conflito”. (ONU, 2022).

Dainte desses fatos, objetiva-se, ainda, trazer à reflexão possíveis consequências negativas de ações projetuais cujas estratégias seguem ou estabelecem objetivos rígidos e despersonalizados – sem critérios temporais, subjetivos, psicológicos, ecológicos nem situacionais. O que confere a singularidade do individuo e o que o faz pertencer à sua espécie, sob a percepção do próprio sujeito? Será que a perda contínua das características naturais de seu Habitat e ecossistema, criam discrepâncias significativas em seu estado pscicológico, a ponto de distorcer – para minimizar seu sofrimento – a realidade e, assim, dificultar o reconhecimento da sua espécie e de seu propósito integrado ao seu ser social, humano? Seria a autorregulação inconscientemente priorizada em relação às percepções socioambientais de aspectos relacionais, situacionais e interacionais? O quanto as espacialidades e a população idealizada para estas interferem nos estados psciológicos – nos estados de presença, de consciência e na autorregulação – dos indivíduos em real afetação?


A visão de um espaço enquanto sócio-espaço determina que o capital e seus novos mecanismos de expansão irão impor causalidades no modo de vida, organização, trabalho, modo de produção, das pessoas e instituições ao redor do globo. (GEBARA, 2023:14)

Para adentrar objetivos mais específicos, se levantam questões a serem indagadas a partir dos dados documentais coletados, incitando reflexões exploratórias aos assuntos. Numa sequência de níveis de análises variados (e transdisciplinares), ora sob aspectos neuropsicológicos relativas aos afetos e à sociabilidade (comportamento humano), ora sob aspectos das percepções senso-espaciais relativas às construções humanas (responsabilizadas pela degradação do meio ambiente e mal-estar coletivo quando mal planejadas, projetadas). Terão as espacialidades (e os estímulos ambientais) relação com o favorecimento desses transtornos mentais? E a falta de cuidado com a identidade psico-socioambiental e a integridade pessoa-ambiente-ecológico em concepções espaciais diante de uma priorização de demandas instantâneas e competitivas entre pares?


Esse modo agressivo de se relacionar com o mundo, é uma alienação com relação ao tempo. Ter que sempre cumprir uma lista de afazeres, que a cada dia cresce e se torna mais difícil, faz com que o tempo se torne assustador, dessincronizado. [...] O sujeito não se reconhece mais dentro de um sistema em que seus atos têm interferências. [...] Não existe mais relação comunitária do que é o coletivo de indivíduos que têm estratégias, desejam coisas semelhantes, vivenciam um sentimento de comunhão. (GEBARA, 2023:44)

Será a percepção fruto dos estímulos ambientais (naturais, implementados, acentuados ou minimizados) ou, também, da presença, qualidade e balanceamento das relações vitais intra e interespécie (autorregulação do sujeito)? A ação imediata (intervenção), sem processamento dos diversos níveis de análises, nem participação existencial e colaborativa dos afetados (e passíveis de afetação) não tende a propiciar situações de degradações futuras (do meio e do sujeito) pela falta de identidade e ameaça ao sentimento de pertencimento daqueles que convivem com a realidade da intervenção?


A natureza não hesitará em desmoronar nossas estradas, derrubar nossos edifícios [...] Eventualmente, nos encontraremos muito desgastados por resistir às suas forças centrífugas destrutivas: vamos nos cansar de consertar telhados e varandas, ansiaremos por dormir, as luzes se apagarão [...] Nossa consciência de fundo da calamidade inevitável é o que pode nos tornar especialmente sensível à beleza de uma rua, na qual reconhecemos as próprias qualidades da qual depende nossa sobrevivência. O impulso para a ordem revela-se como sinônimo do pulsar para a vida. (BOTTON, 2008:174, tradução nossa)

 

2. Método adotado

Esta pesquisa usou como critério de desenvolvimento questionamentos opostamente complementares ao foco bibliográfico, onde reuniu-se dados dentro do período de dois meses em publicações no século XXI. Predominantemente de estudos da psicologia (comportamento humano) e de percepções senso-espaciais (estímulos e conformações ambientais).  Dessa forma, quando há um foco bibliográfico maior em discussões partindo de esferas da psicologia, busca-se refletir a partir da contextualização desses comportamentos em espacialidades variadas. Ao passo que, quando há um foco bibliográfico maior em assuntos contemplando espacialidades (percepções e emoções), busca-se refletir a partir da realidade e da qualidade dessas espacialidades (ou desses estímulos ambientais) enquanto abrigo e/ou acolhimento aos sentimentos e comportamentos humanos possíveis. Ainda que estejam situados nesses dois grandes grupos, houve uma busca transdisciplinar nas coletas bibliográficas, a fim de reunir variados níveis de abordagens, possibilitando maior instigação exploratória e abertura a críticas para futuros avanços científicos.


A discussão inicia-se a partir da construção da identidade do lugar: associada aos valores, às normas e às atitudes decorrentes das espacialidades e das mediações sociais. Onde o indivíduo pode alterar ao ambiente, ao comportamento dos outros ou ao seu próprio comportamento para esta percepção de identidade (PROSHANSKY, 1983 apud KUHNEN, 2009:31). Trazendo ainda os conceitos de valência e affordance – sendo desdobrados mais significativamente ao longo da pesquisa – situados enquanto agentes de estímulos ambientais e elementos atuantes em campo ativos (teoria de campo de Lewin e Einstein). Incitando repulsão e atração, usabilidade e apropriação de objetos a depender do sujeito nesta relação de lugar e pertencimento indivíduo-ambiente (CAVALCANTE; ELALI, 2011:23).


Complementa-se à reflexão a natureza de heurísticas (e vieses) e possíveis relações com estruturações inconscientes preconceituadas, predisposição a falsas memórias e sensações de pertencimento (ou não) quando comparando ambientes construídos por humanos – com baixos níveis de estímulos, adaptabilidade ou diversificação de uso do espaço – aos ambientes naturais – com suas características espontâneas, distintas e multiformes de um Habitat em seu sistema ecológico.


Busca-se, então, uma compreensão acerca do comportamento humano, trazendo o conceito de condicionamento operante de Skinner: a depender do comportamento que se espera ensinar e como o sujeito responde aos estímulos induzidos com atos de punições ou recompensas – reforços positivos ou negativos (KLEINMAN, 2015:18). Tentando situar esses comportamentos a espacialidades nocivas (precárias em estímulos em relação aos ambientes naturais), exemplifica-se o experimento da prisão de Stanford de Zimbardo, onde em poucos dias, houve grave desequilíbrio psicológico entre todos os envolvidos, quando inicialmente foram considerados emocionalmente estáveis (KLEINMAN, 2015:50). Não apenas por serem determinadas novas posturas e condutas – complexamente distintas às personalidades (e estados comportamentais) prévias dos envolvidos –, mas também por situá-los em ambientes ausentes de identidade e acolhimento, desorientando seus estados presentes (e sistemas de autorregulação). Tendendo a estimular, assim, falta de apego ao lugar e a distorcer sua sociabilidade, capacidade de afetação e compreensão intrínseca de sua espécie (BAHI-FLEURY, 1996 apud KUHNEN, 2009:29). Quando as visões de mundo se constroem a partir da interação e da consciência do ambiente físico pelo(s) sujeito(s), ou ainda da sua natureza social (sociedade) e da apreciação à vida (biofilia) (KUHNEN, 2009:32).


Ampliando essas reflexões para possíveis efeitos em escala / coletividade, analisa-se a teoria da aprendizagem coletiva de Bandura: onde modelos (pessoas e personagens fictícios) são observados cotidianamente, estimulando à aprendizagem de condutas e comportamentos quanto maior a similaridade entre o modelo observado e o sujeito-observador (KLEINMAN, 2015:102). Em analogia desses modelos às espacialidades coletivas, analisa-se sobre o quanto os estímulos ambientais afetariam essa aprendizagem. Também refletindo sobre a quantidade de indivíduos presentes no contexto e seus respectivos estados presentes (autorregulações). Se estariam favorecendo ou prejudicando o processo de aprendizagem, visto a natureza inconsciente de adaptação ao meio (e o sentimento de apego e pertencimento). Mais uma vez, permeando aspectos de consolidação de memórias e origem de falsas memórias, além de fatores de proteção ou desencadeamento de transtornos mentais.


Na sequência, aborda-se sobre a valorização das vivencias ou possíveis conformidades quando o meio não favorece a apropriação temporária pelo sujeito. Em mesmo momento, se reflete sobre a resistência ao conformismo (e à liberdade à expressão criativa) quando o sujeito encontra apoio social (ASCH, 1951 apud KLEINMAN, 2015:56). Assim como ordenações e geometrias conhecidas ao sujeito tendem a gerar maior segurança psicológica (BOTTON, 2008:176). Em contrapartida, se analisa o quanto a padronização e falta de contextualização (cultura local e entorno) poderiam levar a uma existência humana desmotivada e de declínio cognitivo – recorrendo a heurísticas ou gerando vieses e falsas memórias diante de poucas alterações nas informações continuamente coletadas pelos neurônios. Ponderando, também, tal processamentos em relação à fisionomia das cidades e o quanto a falta de estímulos (diversificados, efêmeros, coerentes entre si e contextualizados a um locus e topos[1]), tende a limitar a natureza criativa, intuitiva e social inata ao ser humano (ARGAN, 2010:235).


Retomando, neste momento, o conceito de affordance e sua amplificação junto ao conceito de docilidade ambiental – onde o uso (ou apropriação temporária) se dá de forma simples, adaptável ao usuário sem maiores esforços psicomotores, cognitivos e afetivos (GÜNTHER, 2018, apud COSTA, 2022:17). Ainda buscando a compreensão da potencialidade transformativa (psico-socioambiental) pela confluência de relações simultâneas entre espacialidades e cultura local.


Nesta complexidade interativa, se traz os diversos níveis de análises categorizados pela ciência, com a ressalva de possíveis equívocos sobre o comportamento humano se aplicados ou interpretados isoladamente (quando um comportamento envolve, simultaneamente, todas as categorias) (CALABREZ, 2022). Analogamente às espacialidades, se reflete sobre a necessidade de uma abrangência transdisciplinar (tanto em nível do sujeito quanto da espécie) e contextualização local (entorno, necessidades, anseios, cultura local) para verdadeira inclusão social e biodiversidade equilibrada, combinando variadas percepções e compreensões para este dado contexto (seus reais e presentes desafios). Tendendo a soluções mais consistentes em relação às flexibilidades dos espaços construídos pelo humano, respeitando (e restaurando) sistemas ecológicos ativos no local (ou passíveis de integração), bem como promovendo o desenvolvimento sadio da população em intervenção. Complementando, ainda – para entendimento da abstração e complexidade envolvida nessas interações pessoa-ambiente –, com a teoria de Einfühlung, onde se identifica um possível elo empático (ou hostil) entre usuário e ambiente por meio das repercussões (no sujeito afetado) geradas pelas emoções (provenientes dos estímulos ambientais) (CRIZEL, 2020:244).


Neste contexto, se busca entender as implicações de ações projetuais, concepções e intervenções em espacialidades cuja contextualização (características culturais, ecológicas e topográficas; anseios e problemáticas atuais e locais) é parcial ou totalmente desconsiderada, recorrendo a soluções padronizadas ou generalizadas. Que podem ou não serem minimizados com a aplicação da neurociência, visto que os conhecimentos da comunidade científica podem ser coletados livremente para embasar as ações projetuais, porém sem a consciência destes profissionais da responsabilidade envolvida, nem da sabedoria necessária para esta forma de aplicação. Reflete-se, em resguardo às consequências passíveis em disseminação mundial, sobre a própria limitação que a ciência se depara. Como os variados níveis de análises (e possíveis interpretações isoladas), a quantidade de dados e informações ainda não reconhecidas (ou possíveis de interpretação cientificamente), escala numérica de amostragens em relação à população mundial (e representatividade nacional e específica do local / objeto de intervenção). Questionando, diante da complexidade e dinâmica das relações psico-socioambientais sobre uma carência de metodologias associativas entre comunidade científica, acadêmica, política, social, econômica e ambiental na prática de intervenções. Metodologias que poderiam desenvolver novos conhecimentos e soluções a partir dos contextos e da natureza de cada cultura e localidade em tempo presente ao estudo interventivo.


Finalizando com contribuições dos conceitos de Gestalt e de topofilia e da teoria de embodiment. Onde o primeiro, apresenta diferenciações entre a percepção do todo e de suas partes integrantes (a somatória isolada e individualizada destas partes não representa o todo, mas, por atalhos metais, agrupamentos destas levam à percepção da unidade) (KLEINMAN, 2015:74). O segundo, contextualiza a complexidade das relações e interações com o meio: a quantidade de estímulos, relações com suas valências, estado presente e comportamental do sujeito e tantas outras variáveis interagindo simultaneamente ao meio e à passagem do tempo (DUARTE, 2021:14). E o terceiro, sinaliza a dinâmica interativa dessas relações (com aspectos cerebrais, fisiológicos, psico-socioambientais, culturais) entre múltiplos níveis, passando, inclusive, por transformações geracionais em resposta a adaptações ao meio vivido (PASLLAMAA, 2015:30).  

 

[1] Referência ao sentido e significado de lugar (quando há elo afetivo entre um espaço ou ambiente físico e a pessoa): locus se traduz como lugar em latim e, topos, em grego. (OKAMOTO, 2002:15)


3. Fundamentação teórica

Para início de reflexão, se busca analisar a construção da identidade do lugar. Como ela se manifesta, afeta à personalidade, se consolida em relação ao sujeito?


A construção da identidade de lugar ancora-se nas mediações sociais, pois, como já sabemos, nossas experiências com o mundo físico não são diretas e sim mediadas. Valores, normas e atitudes, segundo esse autor, germinam o cenário físico que define o cotidiano de uma pessoa. Entra em cena então a função mediadora da identidade, com a finalidade de lugar de uma pessoa e as características de um cenário físico. Ela envolve o conhecimento do que deve ser feito em termos de recursos e habilidades cognitivas para mudar o amabiente. Estas podem depender ou não de outros. Se não se consegue nem mudar o ambiente nem o comportamento dos outros, resta mudar o seu próprio comportamento para que as discrepâncias sejam minimizadas. (PROSHANSKY, 1983 apud KUHNEN, 2009:31).

Quais seriam as mudanças espaciais passíveis de alterações – em interações da pessoa referida (em estado de presença)? Dois conceitos tratam do ambiente como estímulo: valência e affordance. No primeiro, refere-se às ações e às necessidades:


Do ponto de vista da teoria do campo, a criança (e, por extensão, qualquer pessoa) se encontra num campo de forças no qual é atraída ou repelida pelos objetos presentes em seu espaço vital. O fenômeno que atrai teria um Aufforderungscharakter ou valência positiva; o fenômeno que repele, uma valência negativa. [...] o que importa não são as características físicas dos objetos, mas as possibilidades funcionais dos mesmos. [...] “mistura de várias dicas e sinais que controlam a percepção do sujeito acerca de seu papel e acerca da hipótese do experimentador” [...] trata-se de uma valência não levada em conta pelo experimentador. (CAVALCANTE; ELALI, 2011:23).

Seria possível relacionar interferências sofridas na percepção dos espaços com a percepção da passagem do tempo e do estado psicossocial no qual o experimentador se encontra? A depender do filtro emocional que ele se encontra, por exemplo, estes mesmos objetos gerariam igualmente atração ou repulsão do que no dia ou em disposição socioemocional anterior ao momento presente? Segundo a teoria de campo de Lewin, “o comportamento era determinado pela totalidade da situação de uma pessoa, e passou se referir à soma desses fatores coexistentes como um “campo” (KLEINMAN, 2015:119).


Poderia o usuário estar mais ou menos propenso ao uso de determinados objetos, assimilando ou descartando o sentido de utilidade dos mesmos a partir do seu atual estado de percepção? Quais correlações afetivas existem com este fenômeno da atração e da repulsão? Grau de sensibilidade às emoções e à ativação da inteligência emocional, da empatia, das sinapses e dos processamentos de informações; grau de repertório vivencial e de memória; grau educacional e sociocultural? E quais correlações ambientais existem com o mesmo fenômeno?


Quando se fala em campo de forças, a natureza do equilíbrio – considerando a teoria de campo de Albert Einstein, onde este afirma “que os objetos interagem continuamente com a gravidade e o eletromagnetismo” (KLEINMAN, 2015:119) – não poderia estar intervindo na ordem de grandeza dessa atração ou repulsão, a fim de reestabelecer a harmonia do ecossistema que sofre alterações pela presença de novos agentes-estímulos (pessoa adentrando um ambiente previamente estável na sua ausência), visto a espontaneidade e casualidade que uma valência se consolida? Quais seriam as “dicas e sinais” que permitem “as possibilidades funcionais dos mesmos” se não há necessariamente tamanha importância em relação às “características físicas dos objetos”, conforme trechos transcritos da citação acima? Então, como seria a forma e função da imprevisibilidade? Ou talvez, em reelaboração: como seria sua conformação e apropriação?


Em complemento à reflexão contempla-se o segundo conceito: affordance. É entendido, na definição de James J. Gibson, como “a qualidade de um estímulo ou objeto que define sua utilidade para um organismo” (VANDENBOS, 2007 apud CAVALCANTE; ELALI, 2011:23). Onde um objeto só será útil quando necessário for utilizá-lo, caracterizando diferentes affordances, e de variado grau de complexidade, para diferentes animais – ser humano incluído. Designando ao objeto sua capacidade ou possibilidade de interações e apropriações a partir de um (ou mais) usuário que ele tenha estimulado suficientemente para gerar seu interesse e atenção (CAVALCANTE; ELALI, 2011:23). Não seria o valor do objeto, neste caso, melhor percebido e mais atrativo com a passagem do tempo por sua flexibilidade, adaptabilidade e potencialidade de usuários quando comparado à padronização, esterilidade e predeterminação de forma e/ou função?


Neste segundo caso, os ambientes deficientes de affordances poderiam contribuir na construção dos erros de heurística (também conhecidos por vieses)? “Heurística diz respeito às estratégias mentais rápidas que as pessoas utilizam para resolver problemas [...] e permitem que uma pessoa tome uma decisão rápida e eficiente sem precisar parar e ponderar sobre qual seria o próximo curso de ação.” (KLEINMAN, 2015:187). No caso de erro na heurística da disponibilidade:


Em vez de se basear em dados completos para fazer um julgamento sobre a possibilidade, uma pessoa se baseia exclusivamente em suas lembranças [...] também pode fazer as pessoas superestimarem a probabilidade de eventos improváveis. [...] Por outro lado, podem subestimar a possibilidade de outros eventos que são prováveis. (KLEINMAN, 2015:187).

Um objeto ou ambiente com forma e/ou função pré-definida e esperada não ativaria as memórias já consolidadas sobre locais e usos similares, dispensando apurar suas percepções para os estímulos, as possibilidades de interações e convívio – os dados completos – do ambiente-objeto de seu estado presente? Não poderia se intimidar e averter a interagir de formas distintas às predefinidas? Não poderia se predispor a condenar equivocadamente outros que tentem novos usos ou percepções ao padrão assimilado? Não estaria mais propenso à repulsão, caso este ambiente-objeto “padrão” não desperte assimilações de reconhecimento em sua memória e, portanto, evocando um sentimento de falta de pertencimento e identidade? Já na situação em que esse “padrão” fosse assimilado por memórias e sensações positivas, o usuário estaria mais propenso à atração e, portanto, evocando um falso sentimento de identidade e pertencimento – visto que somente o atende individualmente sob este contexto presente?


Já, no caso de um objeto-ambiente enriquecido de affordances, não seria este potencializador de possibilidades, interações abrangendo mais usuários por sua adaptabilidade, favorecendo o convívio e sensação de pertencimento, coletividade e identidade? Ainda que haja a individualidade no momento de interação, não estaria contido, na flexibilidade de seu uso, a pluralidade de usuários? “affordance mostra-se como a ponte entre o comportamento e o espaço e, desta maneira, dá sustentação ao conceito da bidirecionalidade, a natureza recíproca da psicologia ambiental” (CAVALCANTE; ELALI, 2011:26).


Quais seriam aspectos do comportamento humano? O trabalho de Skinner, define e caracteriza o conceito de condicionamento operante – atualmente utilizado para tratamento de pacientes por profissionais de saúde mental e, mais especificamente as suas ideias de reforço e punição, utilizadas no ensino e no adestramento de cães:


O condicionamento operante é aquele em que alguém aprende um comportamento como resultado de recompensas e punições associadas a esse comportamento. [...] Os reforços positivos e negativos fortalecem determinado comportamento, tornando mais provável a sua ocorrência, e a punição e extinção enfraquecem determinado comportamento. (KLEINMAN, 2015:18).

Como seriam esses comportamentos e condicionamentos em espacialidades precárias em estímulos em relação aos ambientes naturais? Para ajudar na reflexão, analisa-se o experimento de Philip Zimbardo, realizado em 1971, onde contemplou 24 candidatos considerados emocional e mentalmente saudáveis:

[...] para entender o comportamento abusivo dentro do sistema prisional e estudar como as situações podem afetar o comportamento humano. Ele se colocou a seguinte questão: o que aconteceria se a dignidade e a individualidade fossem retiradas dos indivíduos? (KLEINMAN, 2015:50).

Será a desestabilização da saúde mental capaz de alterar as percepções das circunstâncias socioambientais?


O Experimento da Prisão de Stanford foi obrigado a ser interrompido apenas seis dias após o início das duas semanas de estudo. [...] Um terço dos guardas mostrou tendências sádicas e até mesmo o próprio Zimbardo ficou imerso em seu papel como diretor principal. [...] Uma estudante de pós-graduação foi levada para entrevistar os prisioneiros e os guardas, e ficou absolutamente chocada com o que viu. [...] Ele observou que, dos cinquenta visitantes, a estudante foi a única pessoa que questionou a moralidade do experimento. [...] Zimbardo demonstrou com sucesso como o comportamento pode ser influenciado pela situação em que a pessoa se encontra. (KLEINMAN, 2015:51).

Teria o ambiente – simulado como presídio no qual os cadidatos foram submetidos –  agravado e acelerado a desestruturação psicológica desses candidatos? O estímulo à falta de apego ao lugar poderia ter caracterizado uma crescente falta de identidade dos candidatos, desencadeando novos perfis de comportamentos relacionados às distorções dos seus sensos de coletividade e pertencimento? Quando se pondera sobre apego, duas dimensões podem ser consideradas:


O investimento afetivo aos lugares e a sociabilidade vivida localmente. A primeira indica que apegar-se conjuga com afetividade, em que estão presentes satisfação ou sentimento de bem-estar. A segunda característica dá conta das características físicas e funcionais do lugar, assim como dos habitantes e das relações que se estabelecem. (BAHI-FLEURY, 1996 apud KUHNEN, 2009:29).

Não somente a questão do apego, mas também sobre o processo de criação de visões de mundo complementam as reflexões que se correlacionam a situações, circustancias e possibilidades atuais:


No atual contexto de profundas mudanças tecnológicas, econômicas, sociais, culturais e mesmo naturais, os aspectos da relação que se estabelece com o contexto socioespacial chamam a atenção por exercerem efeitos significativos sobre a vida e a identidade das pessoas. Tão-somente pelo fato de o ambiente ser participante no processo de elaboração da consciencia, ao interagir com ele, o ser humano altera a realidade. Tal troca influencia decisivamente na construção de sua visão de mundo. (KUHNEN, 2009:32).

Outra questão que se ressalta ao analisar este estudo de Zimbardo: por que somente um indivíduo dentre cinquenta foi capaz de verbalizar um questionamento sobre a moralidade do experimento? Estariam os outros quarenta e nove em estado de conformismo ou não teriam sido suficientemente afetados pelas circunstâncias socioambientais a ponto de não terem consciência das discrepâncias estudo-realidade?


Caminhando a discussão para as espacialidades, Albert Bandura traz novas percepções ao assunto com sua teoria da aprendizagem social – a qual considera que a aprendizagem se dá por meio da observação, tendo como modelo as pessoas que estão ao redor daquele que as observa:


Todos estão cercados por modelos que podem ser observados, sejam dos pais, dos colegas, dos professores, sejam até dos personagens de um programa de televisão. Esses modelos fornecem comportamentos tanto masculinos quanto femininos que podem ser observados ou codificados e, mais tarde, imitados ou copiados. Uma pessoa provavelmente imitará um comportamento de alguém com quem ela sente ter mais semelhança. (KLEINMAN, 2015:102).

Não seria o meio e seu contexto outros modelos a serem observados? A depender das dimensões e formatos dos elementos, seus arranjos e composições, sensorialidades estimuladas e similaridades aos ambientes naturais passiveis de ensinamento a partir de uma autopercepção social e ergonômica do indivíduo? Seria a biofilia – amor pela vida – um componente intrínseco à identidade humana?  


A ideia de design biofílico surge do crescente reconhecimento de que a mente e o corpo humanos evoluíram num mundo sensorialmente rico, que continua a ser crítico para a saúde das pessoas, produtividade, emocional, intelectual, e até mesmo bem-estar espiritual. A emergência durante a era moderna da agricultura em larga escala, indústria, fabricação artificial, engenharia, eletrônica e a cidade representa apenas uma pequena fração da nossa espécie história evolutiva. A humanidade evoluiu em resposta adaptativa a condições e estímulos naturais, como luz solar, clima, água, plantas, animais, paisagens e habitats, que continuam a ser contextos essenciais para maturação humana, desenvolvimento funcional e, finalmente, sobrevivência. (KELLERT; HEERWAGEN; MADOR, 2008:9, tradução nossa)

Ou, novamente, os comportamentos em ação no lugar de afetação, sobressairiam aos estímulos ambientais, distorcendo a percepção e o estado de presença real do indivíduo que se afeta? Teriam essas distorções relações com as falsas memórias?


Simplesmente lemos, inconscientemente, um determinado ambiente e passamos a adotar uma postura que nos parece ser a mais ideal, adequada ou aceita para convivermos com aquela espacialidade e, inconscientemente, traçamos laços sensoriais, cognitivos e comportamentais de entrosamento com aquela experiência de uso, gerando certo pertencimento ao lugar. [...] Afinal, uma pessoa que adentra em uma catedral não se porta da mesma forma ao entrar em um supermercado, por exemplo. (CRIZEL, 2020:80)

Será que as crianças não se comportam da mesma forma, independentemente do lugar, até que as moldem aos comportamentos normatizado por mediações sociais? Será que indivíduos em estados depressivos, são afetados pelos lugares e se comportam igualmente quando comparados aos seus estados prévios à depressão?


Seriam as memórias de um indivíduo consolidadas da mesma forma quando se altera a presença (ou ausência) de um ou mais sujeitos na situação vivida? Poderiam os indivíduos serem potencializadores ou supressores de estímulos ambientais influentes na percepção? Em busca da compreensão de como o ser humano interage com as espacialidades, Lorí Crizel (2022:98) aborda o conceito de “GPS mental”, que define como:


Um mapa cognitivo espacial, o qual nos auxilia a identificarmos para onde devemos ir e como chegar a determinado ponto, percorrer determinada trajetória e como nos guiarmos dentro de uma dada espacialidade. [...] Esse sistema de GPS mental se encontra no hipocampo, mesma estrutura cerebral também responsável por atributos da memória, entre outros. Devido a esse fato, percebemos o quanto a relação espacial que desenvolvemos com um dado ambiente é fundamental para a criação de memórias, bem como a relação destas com o meio que nos circunda.

Não poderia, então, a percepção espacial, a sensação de pertencimento, apego e identidade ao lugar ser alterada – ativando maior ou menor atenção aos estímulos ambientais – por influências sociais ou estado emocional presente do indivíduo? Os transtornos mentais não poderiam ser incitados ou agravados em espacialidades pouco flexíveis aos estímulos comportamentais espontâneos e à adaptabilidade funcionais aos usuários em presente ação e afetação?


O entendimento, a competência e o controle ambiental, que respectivamente oferecem uma leitura e uma ideia de quais mudanças devem ser feitas, o que fazer e como comportar-se e finalmente ter controle das mudanças no cenário, no seu comportamento e no dos outros, pois os cenários mudam com o passar dos tempos, alertam os autores. Já a função de ansiedade e de defesa ocupa um papel adaptativo que produz, sobre o sujeito, um sentimento de harmonia e bem-estar, compensa e assegura ao sujeito um equilíbrio que protege a sua integridade quando o ambiente causa medo, sofrimento ou ameaça. (PROSHANSKY et al, 1983 apud KUHNEN, 2009:31).

Como se consolida uma identidade em cenários pouco convidativos à experiencia humana (autopercepção), ao convívio social (conscienciosidade), à aprendizagem individual (desenvolvimento) e coletiva (prosperidade) a partir dos indivíduos locais e das características do lugar (estímulos ambientais)? As vivencias não deveriam ser subsídios no processo de desenvolvimento de identidade, cultura, história materializadas em espacialidades que abrigam as demandas de subsistências de um conjunto de indivíduos?


“Quando as pessoas não têm certeza sobre algo, são mais propensas a recorrer a outras para uma confirmação. Quanto mais difícil for tarefa, maior a probabilidade de haver conformidade.” (ASCH, 1951 apud KLEINMAN, 2015:56).


Quando pouco estimuladas à expressão de suas identidades ou condicionadas ao receio de tal expressão, estaria a integridade individual e seu senso de pertencimento sendo afetado? Seria essa uma das hipóteses para o baixo índice de questionamento por sujeitos externos ao experimento sobre a moralidade do estudo de Zimbardo? Como, então, possibilitar maior estímulo à liberdade de expressão com segurança psicológica? Asch também constata comportamentos diferentes quando associados ao apoio social:


Se apenas um aliado dava a resposta correta, equanto o restante dos aliados ainda dava a resposta errada a conformidade foi extremamente menor (apenas de 5% a 10% dos pesquisados aderiam à resposta errada). Isso mostra que o apoio social pode desempenhar um papel fundamental na luta contra o conformismo. (ASCH, 1951 apud KLEINMAN, 2015:56).

Neste mesmo conceito pode-se analisar o quanto a ordem e as geometrias conhecidas são bem recebidas por humanos:


Nessas manifestações de construção ordenada, nos é concedido uma sensação de domínio sobre as imprevisibilidades a que estamos sujeitos e, numa forma simbólica, adquirindo o comando sobre um futuro perturbadoramente incognoscível. (BOTTON, 2008:176, tradução nossa)

Seria este mais um argumento inconsciente à construção de memórias falsas (encontrar e situar contextos ambientais conhecidos, decodificando os estímulos ao que melhor compõe suas necessidades psicológicas)? Ou ainda, seria possível haver supressão inconsciente aos estímulos que sinalizariam a degradação do estático e declínio da sensação de pertencimento (ao se enrijecer aquilo – habitat – que inerentemente se compreende como naturalmente flexível, espontâneo e imprevisível) em tentativa de conformidade? Não tenderia a ordenação excessiva – reproduzida e distribuída sem considerações pelo entorno (no qual se implanta), nem pelas características dos seres vivos, da natureza e da cultura local – a consolidar uma previsibilidade estática, linear, generalista, ausente de identidade e sentido existencial? Não se tenderia a criar uma esterilidade desmotivadora ao fascínio, à curiosidade, à interação entre seres vivos e ecossistemas e, em especial, à vivência humana em seu habitat e ao desenvolvimento em realidade presente?


A ordenação, padronização, generalização e regramentos das espacialidades não poderiam alimentar heurísticas, ou ainda, vieses (erros de compreensão)?


As falsas memórias, anteriormente levantadas, não se relacionariam, neste caso, a um equivocado julgamento do meio no qual se encontra no momento? Ambientes com estímulos similares, metrificados e/ou recorrentes; ambientes ausentes de estímulos espontâneos (ou desconexos à passagem do tempo); ou ambientes com excesso deles não poderiam levar a vieses de percepção do lugar que se vivência? Ativando ou suprimindo inconscientemente atenção aos estímulos ambientais? Esses vieses não estariam distorcendo as oportunidades socioambientais que possibilitam o desenvolvimento natural da espécie humana (convívio, bem-estar, experimentação, aprendizagem, cooperatividade, integridade, identidade) e dos sistemas ecológicos operantes (regeneração, equilíbrio, ressignificação, evolução)?


Os neurônios precisam continuamente coletar informações sobre o estado interno do organismo e de seu ambiente externo, avaliar essas informações e coordenar atividades apropriadas à situação e às necessidades atuais da pessoa. (CARDOSO, 2001 apud CRIZEL, 2020:49).

Associando esse processamento contínuo à fisionomia das cidades, Kevin Lynch contribui com reflexões sobre as inter-relações de elementos enquanto insumos da imagem ambiental em escala urbana que, ao serem observados são mentalmente organizados e reorganizados, atuando em conjunto num dado contexto e criando imagens mutáveis entre indivíduos, “podendo diferir não só pela escala da área considerada, mas também por uma questão de ponto de vista, hora do dia ou estação do ano.” (Lynch, 2010:95). Ou seja, percepções que se valem e são afetadas pela efemeridade, espontaneidade, expressões do entorno, pelo estado de presença do observador e observadores, pelos fenômenos naturais e estímulos ambientais. Todavia a cessão de tamanha flexibilidade e imprevisibilidade limita a natureza criativa, intuitiva e social inata ao ser humano conformando “a obtenção do fim pelo caminho mais breve e mais certo, a eliminação do acaso e da surpresa, a possibilidade de variação dentro dos limites de um sistema.” (ARGAN, 2010:235)


Análises que resgatam a sutileza e importância da incorporação do conceito de affordance nas intervenções humanas e nas conformações espaciais sujeito-ambientais.


Como o ambiente existia antes do animal, este tem de se adaptar ao mesmo tempo em que modifica o ambiente para acomodá-lo às suas necessidades. [...] affordance tanto é física e objetiva quanto subjetiva e psicológica, superando a dicotomia entre o objetivo e o subjetivo na medida em que aponta tanto para o ambiente quanto para o observador. (GIBSON, 1986 apud CAVALCANTE; ELALI, 2011:25)

Como seria conceber, projetar, ou ainda, promover affordances nas espacialidades? Ampliando a consciência, as visões e percepções dos usuários em presença do espaço (ou previamente à visita)? Ampliando a flexibilização, interatividade, adaptabilidade e possibilidade de personalização em setores que se juntam, se separam e se reconstituem em variadas configurações? Proporcionando a docilidade ambiental – teoria contemplada na Psicologia Ambiental onde acomoda “a estratégia do Desenho Universal… tendo como princípios a busca pelo uso simples, flexível, equiparável/igualitário, intuitivo… tolerante ao erro, com baixo esforço e abrangente” (GÜNTHER, 2018, apud COSTA, 2022:17) – no espaço de intervenção e/ou concepção, considerando seu entorno e seu potencial de transformação local?


Como projeto, um dado ambiente possui suas condicionantes pontuais, mas também globais, e essa espacialidade global transmite signos que trazem significados. Em outras palavras, temos uma composição repleta de informações que serão captadas e decodificadas de acordo com a natureza ao que o espaço se propõe. Ao unirmos essas inteligibilidades com a percepção espacial, começamos a ter a possibilidade de o usuário apropiar-se do espaço também por sua mobilidade, em que, por meio do seu movimento, mais lento ou mais rápido, e rotas dentro dos possíveis itinerários, as condicionantes de percepção, iterpretação e movimento começam a interagir com seu sistema cognitivo, fazendo com que uma experiência em vivenciar o ambiente comece a se conformar. (CRIZEL, 2020:85).

A depender da leitura e interpretação que ocorre dentro do grupo envolvido, da comunidade político-educacional, da segregação da espécie, não há maior ou menor atenção aos estímulos ambientais? Quando se tem uma confluência de relações simultâneas: a relação com a espécie (sociedade), a relação com o outro (proximidade), a relação com si (ego), a relação com o meio (elementos), a relação com a vida (demais espécies); não há complexidades intrínsecas à existência e responsividade das demais a ponto de interferirem nas análises e teorizações unitárias, generalizadas e dissociadas das demais?


Trata-se, em suma, de conservar ou restituir ao indivíduo a capacidade de interpretar e utilizar o ambiente urbano de maneira diferente das prescrições implícitas no projeto de quem o determinou; enfim, de dar-lhe a possibilidade de não se assimilar, mas de reagir ativamente ao ambiente. (ARGAN, 2010: 219)

A ciência, a fim de materializar seus estudos, traz diversos níveis de análises e variadas formas específicas de interpretações quando abrange o comportamento humano, dentre eles: social antropológica – considerando cultura e sociedade; neurofisiológica – considerando corpo e funcionamento cerebral; neuroendocrinológica – considerando glândulas, hormônios e o cérebro; nutricional – considerando biologia e ambiente; neurociência afetiva e social – considerando comportamento e relações sociais; desenvolvimentista – considerando a psicologia do desenvolvimento humano; psicologia da personalidade – considerando traços de personalidade que alteraram o contexto de vida do indivíduo; desenvolvimento pré-natal – considerando o contexto em que o indivíduo esteve imerso em gestação; história genética – considerando as informações de seus genes. Sendo as categorizações criações do ser humano como meio de facilitar a interpretação de um contexto complexo. Porém, o comportamento humano não pode ser definido por apenas uma dessas categorias de estudo, mas simultaneamente a todas. (CALABREZ, 2022). Da mesma forma, nenhuma análise isoladamente caracteriza uma situação, mas a combinação de análises e perspectivas trazem maior compreensão da realidade – das possíveis causas e consequências envolvidas, dos estímulos circunstanciais e comportamentais do instante referido e recorrências prováveis.


Há um conflito no coração da ciência entre a ciência como um método de investigação baseado em evidência racional, hipótese e investigação coletiva e a ciência como um sistema de crenças ou visão de mundo. Infelizmente, a visão de mundo da ciência veio a inibir e restringir a livre investigação que é a própria força vital do esforço científico. Desde o final do século XIX, a ciência tem sido conduzida sob o aspecto de um sistema de crenças ou visão de mundo, que é essencialmente o materialismo, o materialismo filosófico, e essas ciências são agora subsidiárias integrais da visão de mundo do materialismo. Acho que quando saímos disso, as ciências serão regeneradas. (SHELDRAKE, 2013, tradução nossa)

No caso da concepção, modificação e intervenções de espacialidades, não seria elementar – para verdadeira inclusão social e biodiversidade equilibrada – estudos em diferentes níveis de complexidade e possibilidades a partir de contextos locais (história, cultura, sistemas ecológicos ativos, geologia, indivíduos envolvidos e indivíduos passíveis de afetação)? Seriam a estética, a forma, a função, os estímulos ambientais os fomentadores da integridade e identidade humana? Ou seriam as caraterísticas destes dentro de uma esfera – física, espacial, transcendental – da liberdade de adequação e readequação, construção e desconstrução, apropriação e desapropriação, modelação e remodelação, conformação e deformação? Seriam as combinações de formas de percepção e interações espontâneas elos para incitar a criatividade, a imaginação, a socialização, a cooperação e, assim, propagar inovações – em busca contínua de estrutura equilibrada com o presente e coerente ao habitat humano? Não seria a integridade e identidade humana um desejo constante pela união e prosperidade dos indivíduos de sua própria espécie?


Deveriam as espacialidades conter e limitar tamanha natureza potencial? Ou deveriam estas conceder a efemeridade das possibilidades de usos, fluxos, arranjos, experimentações em cuidado e proteção ao desenvolvimento, à aprendizagem, à corresponsabilidade, à neuroplasticidade, à expressão individual e coletiva das variadas culturas? Não deveriam as espacialidades representar o respeito aos sistemas ecológicos dos quais a espécie humana afeta e é afetada; não deveriam ancorar e reafirmar os sentimentos de pertencimento, motivação, inspiração, valor pessoal e inclusão social? Neste contexto, a teoria de Einfühlung, também contribui para entendimento da abstração e complexidade envolvida nas interações pessoa-ambiente:


Trata da relação entre usuário e ambiente com um dos agentes promotores de condicionantes de emoção, percepção, interação, apropriação e identificação com o espaço, o que pode resultar em um elo empático de agradabilidade ou uma relação de não pertencimento. [...] vinculam-se a analisar os “efeitos emocionais” que podem ser causados por estímulos ou modos perceptivos diante de determinadas proposições. (CRIZEL, 2020:244).

Quando se constitui uma vivência, não estaria esta relacionada à experiencia, à afetação do presente – não apenas por estímulos ambientais, mas destes em interações com demais usuários, fenômenos naturais, cultura e comportamentos locais? Não seria cada ambiente um potencializador de aprendizagens teóricas-práticas, uma escola-laboratório de experimentações interativas socioambientais?


A arquitetura vai além do abrigo das necessidades e atividades [...] seria um meio de favorecer e desenvolver o equilibrio, a harmonia e a evolução espiritual do homem, atendendo às suas aspirações, acalentando seus sonhos, instigando as emoções de se sentir vivo, desenvolvendo nele um sentido afetivo em relação ao locus e ao topos. (OKAMOTO, 2002:15) 

Quando questões como afetação, apego, apropriação, emoção, significação, pertencimento, identidade e comportamentos – confluídas em conceito generalista de experiências geradas – são aspiradas como propósitos projetuais, não estaria a teoria distorcendo sua prática ao definir objetivos mensuráveis a valores subjetivos, inconscientes, diversificados, inatos à existência e integridade espécie humana?


A arquitetura tem repetidamente desafiado as tentativas de colocá-la em um cenário mais científico e regrado [...] as obras de Otto Wagner ou Sigurd Lewerentz pouco fizeram para reduzir a proliferação de edifícios empobrecidos. [...] Mesmo aqueles que abrigam em particular uma noção dos princípios operativos por trás da beleza arquitetônica dificilmente tornarão suas suposições públicas, por medo de expressarem uma ilogicidade ou de serem atacados pelos guardiões do relativismo, que estão prontos para censurar todos aqueles que se dispõem a defender os gostos individuais como leis objetivas. (BOTTON, 2008:165, tradução nossa)

Se a ciência traz números grandiosos ou exponenciais em micro ações, funções e interações cerebrais, desde as primeiras sinapses à neuroplasticidade, como criar delimitações para análises isoladas de seus contextos (buscando revelar reais problemáticas ou efetividade específicas) pode promover profunda e fluída mudança aos envolvidos (suas presentes angústias e dificuldades – carências em atenção, reorganização, ressignificação, integridade humana espaço-social)?


O nosso cérebro tem aproximadamente 86 bilhões de neurônios, os quais estão constantemente transportando algum tipo de carga informativa. É necessário compreendermos que os neurônios realizam as chamadas sinapses, que de forma simplificada, traduzem-se na passagem de uma dada informação de um neurônio a outro, representando o modelo de conectividade entre eles. (HOUZEL, 2009 apud CRIZEL, 2020:50).

Chegamos à escala numérica dos quatrilhões quando se simula a carga informativa da Humanidade em equação simplificada de quantidade de neurônios multiplicada pela população mundial. Desconsiderando-se aqui a precisão dos dados colhidos e a variação de quantidade de informações carregada por cada neurônio (superior a uma). Será que estabelecimentos de recortes, descartes, médias, generalizações e padronizações são, de fato, as melhores bases para análise de fatos? Quando se considera a espécie, será que cada indivíduo não apresenta uma necessidade própria, ainda que similar ao de outros indivíduos por justamente carregar em seus neurônios informações únicas e complementares? Quantas informações estão sendo suprimidas quando filtradas por uma tipicidade ou conjunto de especificações? “Não é a dimensão de uma função, é a dimensão da existência.” (ARGAN, 2010:223)


Estes recortes, descartes, médias, generalizações e padronizações não passam a representar partes de um todo ou unidade forçada pela somatória individualizadas de partes? Em analogia aos princípios de organização perceptual da Gestalt:


Na tentativa de explicar a ideia de que o todo não é o mesmo que a soma das suas partes [...] esses princípios, que são na verdade atalhos mentais que as pessoas criam para resolver um problema, explicam com sucesso como objetos menores podem se agrupar tornando-se objetos maiores e mostram que existe uma diferença entre o todo e as várias partes que o compõem. (KLEINMAN, 2015:74).

Ou ainda, teriam os campos, aos quais os Humanos (e demais seres e elementos) estão intrinsicamente submetidos, interferência ou influência na percepção dos espaços e nos seus estados emocionais? Resgatando, aqui, a teoria de Einstein e de Lewin, mencionadas anteriormente.


[...] nossos pensamentos não parecem estar dentro de nossos cérebros, nossas experiências não parecem estar todas dentro de nosso cérebro [...] Estou sugerindo que a visão envolve uma projeção externa de imagens que você está vendo em seu mente, mas não dentro de sua cabeça. Nossa mente se estende além de nossos cérebros no mais simples ato de percepção. [...] Se eu olhar para você por trás (e você não sabe que estou lá) posso afetá-lo? Você poderia sentir meu olhar? Há muitas evidências de que as pessoas podem. A sensação de ser observado é uma experiência extremamente comum e pesquisas experimentais recentes sugerem que é real, os animais também parecem tê-la. […] Isso levaria a uma maneira totalmente nova de pensar sobre as relações ecológicas entre predadores e presas, também sobre a extensão de nossas mentes. Se olharmos para estrelas distantes, acho que nossa mente se estende de certa forma para tocar essas estrelas e literalmente se estende por distâncias astronômicas diferentes [...] sabemos tão pouco sobre nossas próprias mentes que onde estão nossas imagens é um tema recorrente em debates dentro dos estudos da consciência agora. (SHELDRAKE, 2013, tradução nossa)


Esquema simultaneidade das relações – complexidade e dinâmica
Esquema simplificado da simultaneidade das relações – complexidade e dinâmica

Figura 1 – Esquema simplificado da simultaneidade das relações – complexidade e dinâmica

Fonte: Produção autoral (2023)


Não se contempla uma relação simples e direta entre ambiente-estímulo e pessoa-comportamento, mas a complexidade das interações submetidas à temporalidade e ao contexto socioambiental dos instantes interativos. Será que a quantidade e a qualidade de estímulos ambientais interferem em comportamentos humanos? Será que um estado interno desequilibrado de um indivíduo interfere na percepção dos estímulos ambientais? A ausência ou a baixa quantidade, por exemplo, de estímulos de valências positivas tende a gerar comportamentos desfavoráveis ao convívio social e/ou a relações intrapessoais? Ou ainda, indivíduos em estados de estresse, fome, sono tendem a desconsiderar os afetos desencadeados pelo meio até suprirem suas necessidades internas, de equilíbrio próprio, de autorregulação? Estudos sobre topofilia trazem contribuições para estas reflexões:


A ligação com o lugar representa um contexto complexo e repleto de variáveis, incluindo as características físicas, envolvimento cultural e social, particularidades indivi­duais, além do tipo de interação realizada entre o ambiente e o homem, assim como inter-relações humanas no ambiente e até mesmo o processo evolutivo da conectividade ambiental. (DUARTE, 2021:14)

Conceito relacionado com a teoria de embodiment – a qual fundamenta que os seres humanos estão interconectados em vários níveis entre mente, corpo, ambiente e cultura – ainda utilizada por muitos fenomenológicos (PASLLAMAA, 2015):


Porque o cérebro, corpo, físico e ambientes culturais são dinamicamente integrados uns com os outros em múltiplos níveis, cada nova geração, o processo de desenvolvimento da vida humana reconstrói, em resposta à genética em constante mudança, fatores celulares, sociais e culturais. O cérebro, o corpo e o ambiente são, de fato, codeterminantes uns dos outros e, portanto, coevoluindo. (PASLLAMAA, 2015:30, tradução nossa)

4. Conclusão

É possível observar que, diante da dinâmica complexa das inter-relações e afetações no sujeito a partir de modificações das espacilidades (e de estímulos ambientais), compete aos arquitetos, urbanistas e profissionais envolvidos na concepção de espacialidades o desafio de projetar ambientes com maior flexibilidade de uso, de adaptabilidade, de ressignificação e, principalmente, de apropriação e de personalização (ainda que de forma sutil e temporária) a fim de propiciar maiores estímulos à consciência e à percepção do contexto presente do indivíduo: as formas, causas e consequências das relações e correlações das possibilidades de conexões, interatividades, coletividade. Permitindo, por meio de sensações reafirmadas recorrentemente (de integridade e pertencimento), a identidade do(s) indivíduo(s) em apropriações, desapropriações e reapropriações. Possibilitando que sua existência e seu poder de interação, de compreensão e de contribuição tenham significado ao constituírem (ainda que proporcionalmente se aparente irrisório em contextualizações holísticas) sua parte nos seus propósitos pessoais, na comunidade local, na cultura regional, na história humana, na biodiversidade da Terra – enquanto agente de sua espécie. A integridade do indivíduo, da espécie, do ecossistema, do contexto micro e macro, depende da liberdade existencial e autonomia temporal das intra e inter-relações – ocorrendo simultaneamente e espacialmente em arranjos complexos e infinitamente diversificados –, preservando suas características saudáveis e complementárias entre as partes afetadas (ambiente-elemento-indivíduo); em cooperação sincrônica e simultânea que definem um todo em contínuo movimento vital – interativo, explorativo, colaborativo, respeitoso ao seu tempo real e atual. Sem integridade, a identidade – seja a nível individual, seja a nível de coletivo e espécie – pouco se consolida, menos ainda se reafirma, tendendo a desencadear transtornos mentais a partir de distorções de percepções (pessoais, sociais e espaciais) e estímulos ambientais dissonantes aos seus contextos (por excesso, falta ou nível qualitativo).


Apontando, neste momento, o cuidado para a conscientização dos envolvidos de que as categorizações científicas de análises não sejam assumidas como regras, normas ou padrões (quando se expressam enquanto conjuntos de referências variadas e relativas às situações do estudo – que auxiliam na interpretação, compreensão e no desdobramento em definições de problemáticas e de soluções mais efetivas e menos propensas a danos indesejados ou inimaginados –), podendo, ainda, apontar para necessidades de novas análises a partir de rearranjos de categorias – descartando ou até definindo uma nova convenção. Torna-se válido ainda pontuar que uma única análise (ou categoria de análise) não garante a compreensão, nem prevê a tendência do todo, mas de uma quantidade significativa de particularidades e especificidade de um recorte, de uma parte – que, por sua vez, igualmente inexiste sem seu todo, sem seu contexto influente e influenciado.


No que se refere aos ambientes e lugares, assim como as relações intrapessoais e interpessoais, são condicionantes intrínsecas à existência humana. As espacialidades por caracterizarem o habitat do ser humano – um ser vivo – e as relações humanas por caracterizarem a espécie – como um ser social. Para tais relações existirem é necessário o suporte de um ambiente físico – seja construído pelo ser humano, seja construído pela própria natureza – assim como o desenvolvimento do próprio ser vivo em suas características essenciais. Eis a singularidade das relações lugar-indivíduo, biofilia-sociedade e o cuidado em preservá-las saudáveis e harmônicas diante de intervenções físicas de um espaço. Reforçando, aqui, a importância de possibilitar a apropriação e a personalização temporária dos espaços, dos caminhos, dos objetos ao qual sofrem afetação, assim como o estímulo à conservação deles para que outros possam encontrar igual liberdade de interação – seja em espaços públicos, privados ou semiprivados; seja em setores residenciais, comerciais, institucionais, industriais, rurais. Onde as características físicas são complementares às possibilidades funcionais dos objetos (considerando os conceitos de affordance, docilidade ambiental e correlatos) – estendendo o conceito de objeto a planos materiais (paredes, portas, janelas, cobertura, rampas, escadas, elevadores; conjunto de construções, vias, acessos, veículos, praças, parques). Atentando as possibilidades de uso ao desenho universal e inclusão social pela análise das necessidades físicas e intelectuais da população, permitindo sua adequação (e renovação) a partir de novas particularidades locais eminentes. Isso tende a manter não somente o movimento de inovação na atualidade, como também, de reforço positivo à identidade local e à sensação de pertencimento aos usuários (pelo cuidado e atenção aos que convivem nesta realidade). 


Assim, conclui-se que para que as ações projetuais e os comportamentos humanos decorrentes de decisões frente a problemas e soluções da realidade vivida tendam a favorecer de forma mais assertiva e harmônica as relações que ocorrem em simultaneidade no âmbito individuo-socioambiental, deve-se observar um contexto complexo em ação (os reais e presentes anseios e desafios locais – em escala individual e coletiva –, a cultura, os sistemas ecológicos ativos – ou passíveis de integração –, os afetos psicológicos dos indivíduos envolvidos e daqueles passíveis de afetação). Contexto este que, para desenvolvimento pleno, requer circunstâncias como: diálogo, receptividade, cooperatividade e corresponsabilidade entre ciência, academia, legislativo, profissionais e usuários. Ocorrendo em ambientes flexíveis, adaptáveis e complementares às necessidades e aos desejos eminentes do local – em realidade presente e projeções futuras – e dos envolvidos – em propósito comum e próspero às partes afetadas (ou passíveis de afetação) e ao todo integrado (passível de ressignificação).


Retratando, neste sentido, a dificuldade encontrada para desenvolvimento deste artigo. Apesar de vasta oferta de conhecimento ciêntífico, muitos dados documentais se limitam a únicos níveis de análises, prejudicando uma compreensão mais profunda da complexidade das relações em variados contextos. No campo da Psicologia Ambiental encontra-se uma aproximação das esferas aqui trabalhadas, porém ainda pouco aprofundado nas integrações complexas e dinâmicas com diversificados níveis de análises. Também entende-se como limitante o tempo para desevolvimento da pesquisa, bem como a necessidade de produção consisa sobre um assunto que demanda maior desdobramento, análises, reflexões e colaboração coletiva. Reinterando que todo material desenvolvido nesta pesquisa ateve-se às espacialidades físicas e reais, porém entende-se como necessário, também, transpor estas (e outras) reflexões para as espacialidades e experiências virtuais (realidade aumentada, metaverso, inteligência artificial), buscando as implicações psico-socioambientais das novas abordagens e formatos de intervenções sensoriais e espaciais sobre os sujeitos e seus meios. Assim, espera-se que o presente artigo instigue a continuidade para aprofundamento das questões levantadas e a consideração de revisões metodológicas para expressão cientifica, de modo a possibilitar contribuições mais significativas e efetivas. Com as transdisciplinaridades em apoio e acolhimento para estratégias de ações ao objeto de estudo / intervenção, visando o desenvolvimento sadio da humanidade e de seu Habitat, assim como, sua evolução enquanto espécie e de seu planeta originário. Resguardando, ainda, a abertura à critica construtiva e à ouvidoria individual, local, social e global – priorizando o respeito e a simultaneidade existencial ao individual, ao coletivo, ao meio ambiente, às demais espécies e aos demais elementos (naturais ou não).

 


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