INTRODUÇÃO À NEUROCIÊNCIA APLICADA (disciplina de pós - IPOG)
- Lu_rsr
- 4 de abr. de 2023
- 7 min de leitura
Atualizado: 17 de abr. de 2023
Material desenvolvido para atividade prévia - módulo I - Master em NeuroArquitetura IPOG
Por Luciana R. S. Rodrigues em 11/04/2022
Com base nas considerações abordadas no TEDx de Lara Boyd sobre neuroplasticidade e os processos de aprendizagem e de Anjan Chatterjee sobre como o cérebro opera na percepção de beleza, busca-se, aqui, refletir sobre a importância da biodiversidade, flexibilidade de usos e integração entre sistemas e funções na concepção de projetos arquitetônicos e planejamentos urbanísticos.
A neuroplasticidade é a capacidade do cérebro de se alterar, se reorganizar, se transformar estruturalmente e funcionalmente frente aos estímulos externos – experiências – aos quais indivíduos são submetidos. Assim como o mundo está em constante modificação e adaptação e, consequentemente, todos seus elementos – os estímulos externos –, o cérebro também segue em constante alteração e, mesmo em estado de repouso, responde ativamente aos últimos. A partir dessa descoberta e outros estudos, três formas de aprendizagem foram compreendidas: por processo químico, por alteração da estrutura do cérebro e por alteração da função cerebral.
O processo químico está relacionado a aprimoramentos a curto prazo de uma competência motora ou fomentação das memórias recentes pela rapidez cujo processo se caracteriza – aumentando a quantidade ou concentração de sinais químicos entre neurônios. Já o segundo processo é mais lento por se tratar da alteração estrutural do cérebro e, assim, se relaciona às memórias de longo prazo e melhorias de uma competência motora a longo prazo. Essas mudanças estruturais também estão envolvidas com redes conexas que funcionam em conjunto para ancorar essa aprendizagem, assim como com regiões cerebrais específicas para determinados comportamentos, permitindo sua alteração ou expansão estrutural. Ainda é possível observar que a interação entre os dois processos ajuda na fixação da aprendizagem, vez que a constância do processo químico é quem fomenta as mudanças estruturais necessárias para constituir memórias de longo prazo.
O terceiro processo de aprendizagem está relacionado aos circuitos funcionais do cérebro: quanto maior o uso de determinada região cerebral, maiores são os estímulos e mais facilmente se torna a recorrência – gerando rapidez de resposta e automação. Embora os três processos de aprendizagem (química, estrutural e funcional) possam ocorrer individualmente, em grande parte, ocorrem de forma integrada. Como cada cérebro é único diante das percepções singulares de cada indivíduos – a partir de um conjunto de memórias, cultura, valores, sentimentos, meio inserido, contexto –, a neuroplasticidade é altamente variável de pessoa para pessoa, não havendo um padrão universal para sua aprendizagem e podendo se desenvolver tanto para ações positivas (aprender algo novo ou alguma habilidade), quanto para negativas (dependência química, esquecimento, dor crônica). Assim, é possível afirmar que a forma mais eficaz para trabalhar a neuroplasticidade é a prática constante por meio do esforço pessoal, do indivíduo – em fazer o trabalho que o cérebro dessa pessoa especifica precisa – repetindo comportamentos que são saudáveis para o cérebro em nível individual, assim como, suprimindo hábitos e comportamentos que não são – podendo-se, ainda, incluir dificuldades ou desafios durante essa prática para maior aprendizagem e uma mudança estrutural do cérebro mais significativa.
Com relação à percepção de beleza, já se estudam três fatores que afetam este processamento cerebral em relação à rostos: simetria, o efeito de hormônios e a média originada da fusão de elementos ou grupos. Normalmente rostos simétricos são considerados mais atraentes quando comparados a assimétricos. Uma das explicações seria que essa simetria é entendida pelo cérebro humano como indicador de boa saúde daquele indivíduo. As anomalias, por sua vez, são, em grande parte, associadas a assimetrias, já que, em plantas e animais, a assimetria também se apresenta como indicador de doenças parasitárias. Já hormônios femininos (estrogênio) e masculinos (testosterona) agem diretamente na formação de características que são consideradas atraentes. O primeiro relacionado a traços indicadores de fertilidade que combinam elementos de mulheres jovens – olhos grandes, lábios cheios, queixo fino – e maduras – região malar (maçãs do rosto) bem definida, enquanto a testosterona está relacionada a geração de traços tipicamente masculinos – sobrancelhas espessas, faces mais finas e maxilares maiores e quadrados. Por fim, pessoas com traços combinados, a partir de mistura de raças, representam diferentes populações e, supostamente, uma maior variedade genética – capacitadora evolutiva frente às mudanças de ambientes permitindo melhor resposta e adaptação a este meio –, sendo, assim, vistas como mais atraentes quando comparadas àquelas nascidas de uniões consanguíneas.
Em complemento, há estudos apontando uma associação natural do cérebro humano entre beleza e bondade, podendo esta associação ser um dos gatilhos para os efeitos sociais da beleza: pessoas belas tendem a ganhar mais vantagens na vida – maiores salários, menores punições, são consideradas mais inteligentes, confiáveis – quando comparadas a pessoas com anomalias ou pequeno desfiguramento facial – consideradas menos bondosas, menos competentes, menos astutas, menos trabalhadoras. Uma percepção reforçada pela mídia popular ao constantemente associar códigos – imagens de personagens desfigurados – ao estereótipo de vilão e mau caráter.
Estudos também apontam que rostos atraentes ativam parte do córtex visual, o giro fusiforme – responsável pelo reconhecimento de rostos –, junto ao complexo occipital lateral – responsável por processar informações de objetos –, além de parte do nosso sistema de prazer e recompensa. É por meio da interação desses processos – que são ativados e ocorrem independentemente de se estar pensando ou não sobre beleza, respondendo automaticamente aos estímulos relacionados à visão e ao prazer – que se sustenta a experiência do belo.
A partir dos conhecimentos apresentados, retornando à origem do ser humano enquanto ser vivo, e numa busca de assimilações e correlações juntamente à Natureza e seus ciclos naturais, reflete-se que, para manutenção e (re)adaptação de suas esferas, equilíbrio e desenvolvimento de seus sistemas ecológicos, a integração, a variedade e a coexistência entre espécies e elementos naturais é fundamental. Quando se interpretam essas reflexões especificamente para o ser humano, percebe-se que o meio, no qual está inserido, interfere na sua capacidade de aprendizagem e no seu desenvolvimento intelectual, ao se relacionar a diversidade de estímulos externos à neuroplasticidade. Quanto mais estímulos existentes, mais variáveis num mesmo contexto, maior a probabilidade deste meio potencializar a capacidade de aprendizagem de indivíduos, visto o aumento de combinações de emoções em intensidade, interpretações e significados. Em contraponto, menores fontes de estímulos generalizados, menor variabilidade poderiam conformar espaços menos excitantes, focados, direcionados para processos de recuperações e reabilitações especificas, relacionadas a processos químicos de aprendizagem, por exemplo.
Percebe-se, por outro lado, que as intervenções do ser humano na Natureza e nos seus ciclos naturais também afetam a variabilidade estrutural dos sistemas envolvidos neste meio de intervenção, podendo favorecer ou não as possibilidades de estímulos externos naturalmente novos no âmbito evolutivo. A impermeabilização crescente dos solos, grandes extensões de fachadas sem ventilações cruzadas, desmatamento (e falta de arborização), grande geração de poluição de ar e resíduos, dentre outros, interferem drasticamente no comportamento de fenômenos naturais, equilíbrio e saúde da fauna e da flora, que são essenciais para sobrevivência humana. Intervir sem planejamento da regeneração, continuidade e circularidade desses sistemas naturais e complementares à existência do ser humano limita a biodiversidade, assim como os processos de aprendizagem, vez que condicionar-se aos baixos estímulos – quando comparado ao meio natural – de massas (no nível urbano e social) ou elementos (no nível arquitetônico e pessoal) estáticos, inanimados, desconexos entre si e, assim, pouco atraentes, dispersos ou falhos na provocação de emoções.
Quando um único percurso ou uma única função é adotada pelo individuo como trajeto e ação habitual, por exemplo, há possibilidade de uma certa automação cognitiva pelo fato de os principais estímulos externos já terem sidos mapeados e absorvidos na memória. Em contrapartida, integrando percursos alternativos juntamente a funções variadas e intercaladas entre si dificultam a sequência de mapeamentos automatizados e possibilitam outras combinações de emoções e significados, podendo, assim, favorecer novos processos de aprendizagem ou aprimoramentos de determinados processos sensoriais. Pode-se ainda pressupor maior potencialidade se esses percursos e funções estiverem integradas e interagindo com elementos e sistemas da Natureza.
Neste aspecto, observa-se a importância da oferta de percursos variados e envolvidos com a fauna e flora que conduzam ao mesmo destino, seja dentro de uma edificação, de um bairro ou de uma cidade. Isso não apenas promove a variedade de estímulos, como também, favorece um desenvolvimento intelectual e evolutivo de forma saudável dos indivíduos, visto sua presença em ciclos naturais aos seres vivos. Atentando-se aqui à necessidade de esses percursos serem igualmente estimulantes, atraentes e confortáveis à escala e aplicabilidade dos pedestres, uma vez que é por meio da percepção sensorial e emocional que o cérebro qualifica as emoções envolvidas e percepções espaciais relacionadas, atribuindo ou resgatando importância e significado dependendo da riqueza experiencial de tais vivências.
No aspecto das funcionalidades, o fato de edificações e estruturas urbanas serem elementos, em grande parte rígidos, sólidos, inflexíveis e estáticos, alerta-se à necessidade do cuidado em sua concepção a respeito da contextualização, flexibilidade, transformação, adaptabilidade de usos e, principalmente, da integridade de uma relação saudável entre a massa inanimada e o ambiente natural; entre os usuários e as demais espécies existentes. É esse cuidado que favorece a criação de lugares atraentes em diferentes tempos de existência, de sentimentos de pertencimento e acolhimento dentre os usuários e permite a readequação dos espaços, o remanejamento de circunstâncias, a variações de estímulos e o favorecimento de novos comportamentos quando os sistemas, em suas constantes alterações naturais, apresentarem novas tendencias, vocações e necessidades.
Por fim, reflete-se que a saúde e o bem-estar do ser humano também estão relacionadas à percepção de beleza pelo cérebro, seja por meio de identificação de simetrias podendo ser representadas ou aludidas em cores, linhas, formas compostas por elementos naturais ou artificiais; seja por meio de ativação de processamentos de recompensa e prazer através de estímulos sensoriais; seja por meio de ambientes propícios à comportamentos justos, amáveis, generosos, inclusivos através do cuidado na concepção de projetos integrativos, contextualizados, potencializadores, flexíveis. Mas, principalmente, pela combinação de uma pluralidade harmônica entre indivíduos, espécies, sistemas – uma fusão de elementos e fatores variados, coerentes, conectados e interativos entre si. Isso permite, não somente, a proliferação da diversidade do mundo natural, como também, uma coexistência saudável e uma evolução equilibrada entre os sistemas.
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