Arquitetura e urbanismo: entendendo a importância da relação pessoa-ambiente no processo de desenvolvimento humano.
- Lu_rsr
- 24 de mai. de 2024
- 47 min de leitura
Luciana Regina Silva Rodrigues
Orientador: Elias Grossmann
Pós-Graduação em Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS
São Paulo, SP, 2024

Um convite à reflexão - croqui de síntese. Arquivo pessoal do autor, 2024.
RESUMO
Por meio de revisão literária narrativa, sob a temática política, sociedade e desenvolvimento, busca-se entender a importância da relação pessoa-ambiente no processo de desenvolvimento humano. Foram utilizadas 3 bases de dados e livros (para os conceitos específicos). Discute-se os contextos físicos atuais, com casos da capital Paulista. Como conclusão, aponta-se a relevância do problema para a atuação mais consciente e responsável entre os envolvidos com a construção físico-espacial urbana.
Palavras-chave: Desenvolvimento Humano; Arquitetura e Urbanismo; Psicologia Ambiental, Relação Pessoa-Ambiente; Impactos Socioambientais.
ABSTRACT
Through a narrative review, in the subject of politics, society and development, this paper seeks to understand the importance of the human-environment relationship in the process of human development. 3 databases and books (for specific concepts) were used. Contemporary physical contexts are discussed, with cases from the capital of São Paulo. As conclusion, the relevance of the problem is highlighted for a more conscious and responsible action among those involved in urban physical-setting construction.
Keywords: Human Development; Architecture and Urbanism; Environmental Psychology; Human-Environment Relationship; Socio-Environmental Impacts.
SUMÁRIO (click sobre tópico caso queira ser direcionado)
1. INTRODUÇÃO
1.1. Contexto do Problema
A partir da experiência profissional do autor, na área de Arquitetura e Urbanismo desde 2012, com projetos arquitetônicos desenvolvidos para o mercado imobiliário, majoritariamente no estado de São Paulo, é possível notar uma crescente e contínua desatenção aos impactos que tais intervenções oferecem ao desenvolvimento humano e social. Onde a compreensão, em abrangência e complexidade, intrínsecas nestas ações interventivas deixaram de ser relevantes, menos ainda, incorporadas ao processo. Qual o sentido da cidade para sua população? Será que, na prática, esta função social é atendida conforme se estabelece no art.5º, § 1º da Lei nº 16.050 / 2014, denominada Política de Desenvolvimento Urbano e o Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo?
Função Social da Cidade compreende o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social, ao acesso universal aos direitos sociais e ao desenvolvimento socioeconômico e ambiental, incluindo o direito à terra urbana, à moradia digna, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte, aos serviços públicos, ao trabalho, ao sossego e ao lazer.
Por que a Natureza deixou de fazer parte do desenho urbano, do contexto cotidiano? Como espaços construídos e os lugares livres de construções estimulam ao desenvolvimento humano e ecossistêmico? As favelas, os abrigos efêmeros improvisados (moradores de ruas), os carrinhos e barracas de camelôs, assim como os complexos comerciais e residenciais, classificados como “alto padrão”, não foram criados pela mesma sociedade, pelo mesmo sistema político-econômico? A quem se está oferecendo oportunidades e melhorias com as atuais prestações de serviços e políticas públicas? Como o espaço de convívio coletivo – e desenvolvimento de habilidades humanas, especialmente socioemocionais – pôde ser reduzido, murado e isolado ao privativo de um grupo favorecido? Como conjuntos físico-sociais – terrenos com características variadas, vizinhanças com vocações singulares, pessoas com perfis diversos – podem ser simplificados a formas e arquétipos padronizados, rodeados por infraestruturas pré-definidas?
Com vivência em propostas de intervenções de variadas escalas com discussões junto a diversas equipes complementares – no setor público e privado –, raras vezes ou nunca se menciona os estados psicológicos dos prováveis humanos que usufruiriam destas intervenções. Ou ainda, a sociedade pela qual se defende tais intervenções, muito menos as consequências sistêmicas com a execução destas. Desde condomínios residenciais verticais, entre torres únicas em compilados de lotes urbanos e múltiplas torres em complexos de quadras fiscais, a conjuntos residenciais horizontais em condomínio fechados ou em loteamentos abertos. Menor ação reflexiva, ainda, observa-se em intervenções com unidades comerciais – uso misto, segundo o Plano Diretor de São Paulo. As lojas com aproveitamento útil prejudicado em virtude de um favorecimento à racionalidade econômica do sistema estrutural principal (das unidades residenciais). Ou ainda, os primeiros pavimentos com unidades comerciais determinadas a partir da quantidade alcançada com o uso mínimo de área comum para seus acessos, descartando cuidados às necessidades psicofísicas do público que poderá trabalhar e ser atendido ali.
Em paralelo, o trabalho com a arquitetura do interior da unidade residencial – em maior dedicação profissional nos últimos 3 anos – permite estabelecer uma relação próxima e direta aos moradores paulistanos – usuários finais das grandes intervenções do mercado imobiliário. Junto a eles, reforça-se periodicamente a percepção do quanto esses espaços construídos e em processos construtivos na cidade estão impactando – e continuarão a impactar – negativamente o psicológico humano na ausência de novas intervenções, abordagens ou acessórias para qualificação ambiental e reabilitação psicossocial. Aspectos que abrangem tanto a esfera pública quanto a esfera privada.
Seja pelo desamparo ou negação ao existente: com a falta de manutenção periódica e preventiva, descaso com áreas em degradação (ou com pré-disposição a degradar), desatenção aos imóveis desocupados e crescimento desassistido das favelas. Seja pela falta de interesse aos valores da cidade constituída, sua identidade – por que não fruímos com respeito e reconhecimento aos patrimônios, analisamos aos vazios urbanos e às áreas ociosas com levantamentos de vocação das áreas e redirecionamento de usos, ou ainda, apoiamos a novas propostas urbano-culturais a níveis locais? Seja pelas oportunidades enfatizadas ou aceleradas por revisões do Plano Diretor e regulamentações relacionadas, como a de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo (Lei 16.402/2016) e o Código de Obras e Edificações do Município de São Paulo (Lei 16.642/2017) – gerando “booms” imobiliários (aspirados pelo crescimento econômico), mas sem atenção aos impactos nos processos de desenvolvimento humano no local, no bairro, na cidade. Este último panorama abordado por Medeiros (2022) em sua publicação digital para o Jornal da USP:
Enquanto o Plano Diretor tinha a proposta de incidir no desbalanceamento das necessidades da capital e resolver suas assimetrias, ele, ao mesmo tempo, tem incidência na série de demolições que estão ocorrendo em São Paulo. Segundo Beatriz, há nos eixos a criação de áreas onde se estimula o adensamento construtivo e, portanto, se tornam áreas de interesse das grandes empresas por permitir maior número de construções. [...] A realidade é que essa verticalização é pensada para pessoas de alta renda, as quais podem pagar os caros preços de aluguel de apartamentos grandes e condomínios que possuem muita vaga de garagem e poucos moradores, um tipo de projeto que contraria a demanda real da população paulistana.
As entidades falham em suas gestões com demandas diariamente reformuladas: cronogramas que se estabelecem por meio das ciências exatas sobre as vidas e complexidades sistêmicas que, por sua vez, se estabelecem por meio das ciências humanas. Quem gera as demandas? Quem metrifica os tempos destas? A racionalidade teórica-objetiva prevalece onde o desenvolvimento humano solicita a compreensão, a flexibilidade, a integridade daquilo que se vive no seu tempo próprio. O Estatuto da Cidade (Lei 10.257 / 2001) apresenta, no seu art. 2º, as diretrizes gerais cuja realidade prática demonstra dificuldade para serem seguidas:
A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais: I–garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações; II–gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano; III–cooperação entre os governos, a iniciativa privada e os demais setores da sociedade no processo de urbanização, em atendimento ao interesse social; IV–planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população e das atividades econômicas do Município e do território sob sua área de influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente; V–oferta de equipamentos urbanos e comunitários, transporte e serviços públicos adequados aos interesses e necessidades da população e às características locais [...].
É difícil observar pessoas que se mobilizam para sua contribuição com a zeladoria do espaço e convívio coletivo, para sua contribuição com serviços que ofereçam oportunidades para o desenvolvimento diversificado e complementar da comunidade local, ou ainda, assumindo sua responsabilidade social diante de suas escolhas comportamentais e de seu modo existencial. Ao mesmo tempo, será que a gestão pública, a arquitetura, o urbanismo e setores envolvidos com essa construção físico-espacial oferecem oportunidades para interesses e participação dessa população?
Em 12 de outubro de 2023, foi inaugurado em São Paulo, na região da Saúde, um parque lúdico projetado para o desenvolvimento físico-cognitivo de crianças na primeira infância. Nele há diversas oportunidades para aumentar os estímulos às capacidades motoras e sensoriais, por meio de geometrias variadas no desenho e nas atividades propostas. Passíveis de interações e brincadeiras para além das esperadas, improvisadas com segurança (SECOM, 2023).
Em visita pessoal do autor a este parque, no dia 2 de março de 2024, menos de 5 meses de sua inauguração, foi possível observar trechos do piso monolítico faltando, assim como rachaduras ao longo de toda a pista de pump track (figura 1), além da cerca periférica superior, em madeira, com movimento ao encostar (sugerindo baixa resistência). Este trecho de cerca está no limite do terreno – divisa com uma avenida movimentada – Avenida Professor Abraão de Morais –, separados unicamente por uma calçada estreita. Há inclusive um trecho da cerca desencaixado na outra divisa – com a Avenida Botuquara (figura 2). O som dos veículos pesados passando ao lado do parque, quando o semáforo abre, é significativo.
À esquerda (1), foto da pista de pump track. Na parte superior da foto, ampliações das rachaduras. Arquivo pessoal do autor, 2024. À direita (2), foto do tráfego na Av. Prof. Abraão de Morais. Na parte superior da foto, ampliações do trecho de cerca desencaixado junto à divisa com a Av. Botuquara. Arquivo pessoal do autor, 2024.
Ainda que a intervenção oportunize o desenvolvimento positivo dos moradores e das crianças e requalifique o entorno do parque, quem está, de fato, se atentando ao cuidado que o real uso cotidiano solicita? Estes pontos danificados já sinalizam um local com pré-disposição a degradar se não houver manutenção imediata. Antecipando uma possível interdição do parque recém-inaugurado, assim como uma possível falta de sentimento de pertencimento, apropriação e identidade ao patrimônio pelos usuários locais – que não demonstram afetação pelos primeiros sinais de deterioração desse espaço coletivo (e continuam as atividades recreativas sobre as áreas danificadas).
O que acontecerá com o psicológico desses usuários? A segurança proposta inicialmente se sustenta? As interações cada vez mais se limitarão pelo provável aumento de trechos danificados? Ainda assim, essa região já está contemplada com uma melhoria urbana e diferenciada para crianças da primeira infância – sob a agenda política. Onde fica a coerência do contexto: qual o propósito de uma intervenção, de uma política pública que não envolve a comunidade para sua apropriação e zeladoria? Será que há uma preocupação profunda e holística com a identidade local e o desenvolvimento humano real de seus usuários?
O psicológico dos paulistanos vem sendo afetado negativamente pela grande massa de construções físicas incoerente aos estímulos favoráveis ao desenvolvimento humano, avançando a solidez dessas construções sobre os espaços abertos às convivências coletivas, como as praças e calçadas. Será esse um contexto físico-espacial propício para a prosperidade de um ser humano cada vez mais afastado de seu nível de consciência e de sua responsabilidade socioambiental? Será esse um contexto físico-espacial propício para os estímulos de habilidades cognitivas e socioemocionais? Será esse um contexto físico-espacial propício para o desenvolvimento sustentável da biodiversidade ao qual a espécie Homo Sapiens faz parte e igualmente depende para sobrevivência natural? Uma realidade contrária à estabelecida no art. 5º, inciso XXIII, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988: “A propriedade atenderá a sua função social”.
Segundo Millar e Fanini (2023), um novo movimento emigratório do Brasil está acontecendo, partindo da classe média, em resposta aos atuais sentimentos relacionados ao mal-estar (medo e apreensão) – antecipando uma baixa qualidade de vida num futuro próximo. Dois aspectos, citados pelos mesmos autores, foram levantados como causadores dessa percepção de realidade pelos emigrantes:
A primeira se deve ao fato de a hipervigilância da classe média em relação aos riscos de violência urbana ter lhe imposto limitações à liberdade cotidiana [...] Em segundo lugar, preocupações com a segurança entre os brasileiros de classe média erodiram o que compreendiam como sendo “boa qualidade de vida”, por meio da limitação de oportunidades - de trabalhar com eficiência, de aprimorar suas qualificações ou ascender na carreira (p.14).
Será a emigração algo aspirado por sua nação originária, aspirado para o nosso desenvolvimento humano? Não seriam esses mesmos sentimentos negativos possíveis de serem observado nas demais classes desfavorecidas ou grupos vulneráveis? Mas que, sem recursos financeiros e/ou psicológicos para uma emigração, se submetem à permanência neste espaço físico que lhes aflige psicologicamente dia após dia? Como a cidade os ampara em seus direitos, em seus modos existenciais? Segaud (2016) reforça o panorama estagnante da relação pessoa-ambiente: “O espaço cristaliza, em certas épocas e com frequência, as relações sociais” (p.115). Já Pallasmaa (2011), reitera a negligência temporal da contemporaneidade quando a narrativa de cada espaço é abordada:
Os prédios de nossa era tecnológica em geral visam de maneira deliberada à perfeição atemporal e não incorporam a dimensão do tempo ou o processo inevitável e mentalmente importante do envelhecimento. Esse temor dos traços do desgaste e da idade se relaciona com nosso medo da morte (p.30).
1.2. Temática, Problema e Objetivos
Em meio a estas inquietações, optou-se por estudar, neste momento, como a arquitetura e o urbanismo estão relacionados aos processos de desenvolvimento humano. Dentro da temática política, sociedade e desenvolvimento, aborda-se o seguinte problema a ser trabalhado nesta pesquisa: como entender a importância da relação pessoa-ambiente no processo de desenvolvimento humano? Buscando, na Psicologia do Desenvolvimento e na Psicologia Ambiental, esclarecimentos sobre as relações elementares com o meio, as demais pessoas e os demais seres dentro de um contexto físico. Considerando essa pesquisa como relevante para a atuação mais consciente, ética e responsável entre todos os envolvidos com essa construção físico-espacial urbana.
Tendo como objetivo geral entender a importância da relação pessoa-ambiente no processo de desenvolvimento humano, estabeleceu-se os seguintes objetivos secundários: identificar, na teoria bioecológica do desenvolvimento de Urie Bronfenbrenner, aspectos do contexto físico em que esse humano se desenvolve; enumerar os conceitos relacionados, desenvolvidos pela Psicologia Ambiental: docilidade ambiental, emoções e afetividade ambiental, enraizamento e apego ao lugar; citar uma visão holística de Arquitetura e Urbanismo, incluindo aos conceitos contemporâneos: desenho urbano sustentável e ecodesign, placemaking e urbanismo tático.
Esclarecendo que o conceito de espaço e lugar, ainda que tenham diferenças em seu significado entre pesquisadores (e campos de pesquisa), neste estudo, abrangem tanto aos ambientes construídos (construções isoladas, conjuntos de edificações, áreas internas e externas vinculadas a estes), como também aos ambientes livres de edificações (ruas e calçadas, praças, parques, jardins) – em esferas públicas, privadas, comunitárias ou originárias. Atentando-se à subjetividade da concepção e da percepção daquilo que compõem a realidade físico-espacial para o ser humano ao longo do seu processo de desenvolvimento.
2. REFERENCIAL TEÓRICO
2.1. Psicologia do Desenvolvimento
2.1.1. Teoria Bioecológica do Desenvolvimento de Urie Bronfenbrenner
O desenvolvimento humano é um processo contínuo e diário. Em que a pessoa se sente motivada e capacitada para se envolver em atividades que permitam a assimilação de uma percepção mais ampla, profunda e consistente do seu agir, ser e estar, em forma e conteúdo. Possibilitando prosperar, sustentar ou remodelar esse ambiente ecológico em que se situa. Tanto no campo da realidade percebida, quanto no campo da sua atuação enquanto agente transformador, ativando e articulando níveis de complexidade maiores ou similares ao do instante anterior (Bronfenbrenner, 1981).
Encorajar a mente a vagar e experienciar despretensiosamente aos objetos e ao espaço atuam na elaboração do pensamento inconsciente. Sendo igualmente importante incorporar na rotina o hábito de suspender ao pensamento dirigido e literal, com atividades de dispersão e abstração, possibilitando a ação de processos criativos. Porém, o excesso de demandas atuais inviabiliza esse tempo e espaço de reflexões inconscientes. A tal ponto que, quando as pessoas se encontram nesse instante, se deparam com um sentimento perturbador que as leva à resistência desta experiência, reforçando uma defensiva racional (Huskinson, 2021).
Ainda que haja muitos estudos abrangendo comportamento e desenvolvimento humano, os dados e as teorias dificilmente englobam aos aspectos ambientais relacionados a tais pesquisas. Portanto, tendem a negligenciar aos aspectos não-sociais do engajamento em observação. Assim como reduzem o ambiente contextual unicamente à interface imediata onde o sujeito se encontra – o microssistema (Bronfenbrenner, 1981).
Para muitos psicólogos, o espaço é compreendido como componente elementar da personalidade, assim como estruturador da sua identidade. Uma vez que, para se apropriar desse espaço, singularizá-lo a partir de sentimentos e cultura próprios do sujeito permite exercer sobre ele um certo controle e nível de poder, requisitando a atenção constante do indivíduo à esta relação (Segaud, 2016). Pallasmaa (2011) reforça essa singularidade quanto às memórias e a partir das percepções sensoriais:
Em experiências memoráveis de arquitetura, espaço, matéria e tempo se fundem em uma dimensão única, na substância básica da vida, que penetra em nossas consciências. Identificamo-nos com esse espaço, esse lugar, esse momento, e essas dimensões se tornam ingredientes de nossa própria existência. Arquitetura é a arte de nos reconciliar com o mundo, e esta mediação se dá por meio dos sentidos (p.68).
Enfatiza-se a importância de estudar aos comportamentos humanos juntamente ao ambiente em que se desenvolvem tais comportamentos, atentando, em especial, às relações pessoa-ambiente. Uma vez que é consenso entre sociólogos e psicólogos que a percepção do ambiente interfere no comportamento e no desenvolvimento humano. Constatando diferenças entre comportamentos observados em ambientes laboratoriais e em cenários da vida real dessas mesmas pessoas (Bronfenbrenner, 1981).
A exemplo, o contato com a natureza ao longo do desenvolvimento infanto-juvenil ajuda a promover o bem-estar geral do indivíduo, embora grande parte dos estudos se voltem para esta relação considerando apenas os espaços verdes (Liu, Green, 2024). Da mesma forma, já se entende a importância desses espaços verdes como elemento motivador para a mobilidade ativa, embora poucos estudos englobem ambos de maneira integrada (Liu et al., 2024). Pallasmaa (2011) complementa sobre a percepção sensorial nesses espaços: “Um passeio na floresta é revigorante e saudável graças à integração constante de todas as modalidades de sentidos” (p.39).
Quando abordamos as interações de uma mesma pessoa entre microssistemas de sua rotina – como casa, escola / trabalho, vizinhança, estamos falando de um mesosistema. Sendo ativo quando a pessoa se desloca entre esses ambientes. Já o exosistema se refere aos cenários cuja pessoa não participa ativamente, mas onde eventos afetam seus microssistemas (ou são afetados por estes). Por fim, o macrosistema engloba todos os outros cenários e circunstâncias que existem ou podem existir para além dos sistemas anteriores – podendo incorporar, também, sistemas de crenças ou ideologias que os embasem (Bronfenbrenner, 1981).
Assim, uma comunidade interativa e engajada entre seus indivíduos, possibilita que estes partilhem suas vidas, ações e experiências de tal forma que há um entrelaçamento, um sistema próprio da comunidade característico, resistente, fortificado, continuamente retroalimentado – onde estes indivíduos se apoiam entre si. Essas circunstâncias e a existência de espaços para uso coletivo (disponíveis para as reuniões e relações comunitárias) sustentam o bem-estar do indivíduo, assim como desse coletivo – estimulando às relações sociais e cooperativas (Uchida et al., 2023). Então, quando temos tais locais e senso de coletividade, uma intervenção comunitária além de prevenir perdas de capacidades funcionais dos indivíduos, pode promover maior saúde e bem-estar (Ide et al., 2023).
Ressaltando que ambiente não é um “cenário objetivo”, nem é igualmente apreendido por todos. É um conjunto físico que direciona comportamentos a partir de como os estímulos ambientais desse ambiente são percebidos pelas pessoas em questão e o significado que essa realidade apreendida representa para elas. Também é onde encontramos uma tangibilidade motivacional entre a pessoa e os eventos e/ou objetos desse ambiente (Lewin apud Bronfenbrenner, 1981). Pallasmaa (2011) descreve essa forma de apreensão e o quão singular e relevante é esse processo para a percepção da própria identidade e liberdade pessoal:
Em estados emocionais intensos, os estímulos sensoriais parecem sair dos sensos mais refinados para os mais arcaicos, descendendo da visão para a audição, o tato e o olfato, e ir das luzes para as sombras. Uma cultura que busca controlar seus cidadãos provavelmente promoverá a direção oposta de interação, saindo da individualidade da intimidade e identificação e indo para um isolamento físico e público (p.46).
Não há como ocorrer o desenvolvimento humano sem um ambiente. A pessoa sempre está situada em um espaço e um tempo. Promovendo esse desenvolvimento que altera características próprias da pessoa em reorganização interna. Assim como promove, também, um aprimoramento da acuidade perceptiva e conceptiva deste ambiente. De tal forma a se sentir motivada e capaz (campo da percepção) de se manter em atividades (campo da ação) que conservem, reestruturem ou revelem as propriedades deste ambiente em níveis similares ou em maior grau de complexidade. Sob todos os planos de ambientes ecológicos (micro-, meso-, exo-, macrosistema) (Bronfenbrenner, 1981). Em complemento, Cavalcante e Elali (2018), abrangem as questões afetivas envolvidas nesta relação pessoa-ambiente:
A literatura mostra que todo ambiente físico provoca emoções, e o entendimento desse processo por meio da mediação da afetividade permite compreender como os ambientes afetam nossos estados emocionais e como, dialeticamente, nossos estados emocionais afetam nossa ação no ambiente. Sendo assim, quando se identificam mudanças comportamentais de um local para outro (p. ex., do ambiente urbano para o rural, entre cidades, países ou mesmo continentes), pode-se entender o papel dos ambientes/lugares em termos de experiências afetivas, bem como compreender se estas podem ser potencializadoras ou não da ação dos sujeitos (p.70).
Logo, diferentes cenários estimulam padrões específicos de comportamentos na pessoa. A partir da sua percepção neste cenário sobre seu papel social, suas atividades referentes e suas relações envolvidas. Outros exemplos: crianças se comportam de uma forma na escola, de outra em sua casa. Assim como seus pais se comportam de formas distintas entre colegas de trabalho e seus familiares (Bronfenbrenner, 1981).
A arquitetura pode oferecer aos sentidos a clareza dos pensamentos ao delimitar um espaço e um tempo deste mundo. A mente se encontra em uma espacialidade socializável, interativa e compreensível para a humanidade. É nesta geometria que existe o reflexo, assim como o refletir, daquele em ativação dos pensamentos (Pallasmaa, 2011).
Porém, quando o ambiente ecológico se altera em virtude de mudanças de papeis sociais ou de cenários ou de ambos, há uma transição ecológica. A exemplo de uma mãe em primeiro contato com seu recém-nascido. O melhor desenvolvimento humano se manifesta na capacidade crescente da pessoa em remodelar sua realidade em coerência às suas necessidades e aos seus interesses (Bronfenbrenner, 1981). Lynch (2010), ressalva a importância do suporte ambiental não somente na rotina, mas também, ao longo da vida humana, nesses processos de transição ecológica:
A função de um bom ambiente visual pode não apenas facilitar os deslocamentos rotineiros, nem confirmar significados e sentimentos preexistentes. Seu papel como guia e estímulo de novas explorações pode ter a mesma importância. [...] Quando um ambiente tem uma forte moldura visível e partes extremamente características, a exploração de novos setores fica mais fácil e mais convidativa. Se os elos de comunicação estratégicos (como museus, bibliotecas e pontos de encontro) tiveram sua existência divulgada, aqueles que costumam ignorá-los podem sentir-se tentados a conhecê-los (p.122).
Também se ressalva o papel dos espaços públicos livres de edificações para o desenvolvimento educacional. Onde oportunidades para aprendizagens informais se manifestam por meio da convivência, da experimentação, da observação, da interação com o entorno. Em trocas de experiências, contato com a natureza e diversidade sociocultural. Além disso, esses espaços promovem desenvolvimento pessoal em habilidades socioemocionais, físicas e cognitivas através de atividades comunitárias, recreativas e/ou de lazer ali possibilitadas (Pereira et al., 2024).
2.2. Psicologia Ambiental
2.2.1. Docilidade Ambiental
A docilidade ambiental indica a potencialidade de uso daquele espaço em relação ao desempenho em capacidades individuais daquele que se encontra nesse espaço. Quanto mais dócil esse ambiente for para a pessoa, maiores serão as possibilidades de atuar em sua zona de desempenho ótimo. Oportunizando comportamentos adaptativos e afetos positivos, uma vez que as condições psicossociais e as características ambientais (condições de fluxos, usabilidade, transposições, orientações...) a permitem equilibrar suas habilidades às demandas atuais (Cavalcante, Elali, 2018).
Por outro lado, quanto menos dócil esse ambiente se apresenta para seu usuário, pode-se provocar demasiada frustação e/ou estresse por exigir habilidades e/ou performance acima de sua zona de desempenho. Por sua vez, o reforço e a continuidade dessas circunstâncias geram respostas emocionais que dificultam a manifestação de comportamentos adaptativos. Especialmente quando envolvem atividades corriqueiras e espaços de usos diários, criando demasiadas dificuldades para o usuário e seus contatos diretos, como parentes ou cuidadores (Cavalcante, Elali, 2018). Cavalcante e Elali (2018) citam os principais causadores desse estresse:
Em geral tais dificuldades são consequências de: limitações físicas ou psíquicas (doenças, estado afetivo negativo, sentimento de perda); limitações cognitivas (esquecimento, desorientação, ou uma mescla dessas duas limitações); barreiras arquitetônicas (escadas, desníveis nas calçadas) ou ergonômicas (ônibus altos, letras pequenas nas placas); falta de apoio ambiental (corrimão, locais para descansar, rejeição à bengala ou ao aparelho de audição) (p.50).
Ao mesmo tempo, não se almeja um ambiente “estéril” ou sem desafios, pois é da natureza humana explorar a curiosidade e a criatividade numa decodificação de cenários e contextos. Apenas se reforça o cuidado no planejamento e na adequação dos diferentes estímulos ambientais de forma proporcional às capacidades de seus usuários, possibilitando maior autonomia a eles. Também se espera que este ambiente socio-físico estimule novas habilidades, assim como, oportunize, com segurança psicológica, testes e experimentações destas (Cavalcante, Elali, 2018).
2.2.2. Emoções e Afetividade Ambiental
Em complemento, entende-se que as emoções e a afetividade ambiental são fundamentais no processo de criação de vínculos entre pessoas e lugares. As teorias, ainda pouco exploradas em pesquisas, abordam principalmente aspectos biológicos e/ou simbólicos, mas outros aspectos podem ser mencionados também. Entendidas como mediadoras dos processos mentais (abrangendo as dimensões físicas, psicossociais, simbólicas e socioculturais) e da coerência de uma realidade imediata, as emoções auxiliam na avaliação, conscientização e transformações de espaços em dimensão ética. Incorporando, aqui, a responsabilidade ecológica, interesses e necessidades coletivas (Cavalcante, Elali, 2018). Cavalcante e Elali (2018) descrevem a essencialidade do espaço para o desenvolvimento subjetivo, o reconhecimento de sentidos e as transformações sociais, a partir das emoções e a afetividade ambiental:
O lugar como mediação é tão essencial para os seres humanos quanto são as emoções para o pensamento (aqui entendido com expressão das funções psicológicas superiores). O processo de apropriação do espaço mostra que o ambiente físico é palco para as ações, mas também para a atribuição de significados, o que torna o ambiente/lugar extensão da subjetividade dos indivíduos, dando um sentido especial à existência e impactando a evolução humana enquanto ontogenia. Ou seja, o ser humano se faz na capacidade de interferir nos processos evolutivos da sua espécie, trazendo transformações sociais emancipadoras em sua realidade cotidiana. Emoções, afetividade e lugar são fundamentais nesse processo (p.69).
As emoções orientam o raciocínio e a tomada de decisão, ainda que elas estejam associadas ao sistema intuitivo. Elas podem ser gatilhos para variados comportamentos e ações influenciando, inclusive, aos comportamentos pró- ambientais (quando associados às emoções positivas) ou ambientalmente inadequados (quando associados às emoções negativas). Já a afetividade com o lugar entra na dimensão do emocional e do simbólico, onde há a construção dos significados. Por isso, o lugar não é unicamente algo físico e externo à pessoa. Ele é simbólico e expressa a identidade dos indivíduos. É possível observar, nas narrativas de histórias de vida, o quanto lugares/ambientes com fortes significados, simbolismos e identificação sustentam as experiências vividas, compondo o espaço do subjetivo (Cavalcante, Elali, 2018). Segundo Bomfim (2010 apud Cavalcante, Elali, 2018), esse aspecto da relação pessoa-ambiente se encontra na dimensão ética e empática:
Quando essa afetividade abrange a dimensão “lugar”, passa a abordar questões que envolvem a construção social do espaço público, a convivência com o diferente, a cidadania e a sustentabilidade, dentre outras. Nesse sentido, a dimensão ética está presente quando se reconhece os afetos dos habitantes como expressão de necessidades que muitas vezes são negligenciadas pelas gestões públicas urbanas e, dessa forma, a afetividade ambiental pode ser compreendida como conhecimento, orientação e ética na cidade (p.66).
Os afetos precedem as ações e, assim, interferem nestas, sendo entendidos como conjuntos de sentimentos e emoções. Eles impedem ou auxiliam a mudança diante de cenários de sofrimento ético-político, possibilitando análise das contradições sociais em sua realidade habitual. Assumem, dessa forma, um caráter emancipatório para transformações sociais (Cavalcante, Elali, 2018).
2.2.3. Enraizamento
O enraizamento pode ser associado, também, ao contexto espacial que vincula a pessoa que ali habita aos seus antepassados, ou ainda, ao sentido intrínseco de lar em uma realidade física. Abrangendo este último a experiência segura, acolhedora e estável para a espontaneidade de si, reconhecendo a singularidade deste local. Além disso, pode estar relacionado ao senso de familiaridade – um passado recorrente e cíclico – levando a experiências habituais e, assim, não necessariamente conscientes, mesclando sua percepção temporal com a espacial (Cavalcante, Elali, 2018).
Por outro lado, o desenraizamento, seu oposto semântico, é entendido como algo negativo e não almejado. Percebido como prejudicial ao desenvolvimento de comportamentos sociais e saudáveis. Temática relevante a partir das vivências traumáticas da Segunda Guerra Mundial (e décadas posteriores), teve seu aprofundamento com a globalização, evidentes a partir de 1980. Quando os lugares perdem sua importância e assumem um caráter genérico devido às rápidas transformações culturais, com distanciamento físico e afetivo dos processos sociais. Revelando uma precarização das relações entre pessoas, comunidades e espacialidades físicas com o “desenraizar” de tudo e todos para garantir sua dinâmica global (Cavalcante, Elali, 2018).
2.2.4. Apego ao Lugar
Outro conceito refere-se ao apego ao lugar e, tal como o enraizamento, é complexo e incorpora múltiplos campos perceptivos. Interrelaciona significados simbólicos/afetivos com aspectos físicos-espaciais a partir das assimilações feitas pelas pessoas e/ou grupos sociais, assumindo um caráter dinâmico. Com referências no passado (vivências e memórias) e na potencialidade (expectativas ou experiências imaginadas) do local, relacionadas pela pessoa interativamente com o presente (Cavalcante, Elali, 2011).
A literatura da área divide o conceito em três dimensões: funcional, simbólica e relacional. Na primeira dimensão, o espaço físico interfere nos comportamentos das pessoas a partir da atração, encorajamento ou inibição dos seus movimentos em percepção desse espaço. Podendo ser uma percepção positiva (gera produtividade e bem-estar) ou negativa (gera estresse e frustação), determinando um ambiente colaborativo ou competitivo, respectivamente, entre os presentes. Na segunda dimensão, o valor simbólico (sociocultural e individual) influencia as pessoas e/ou grupos sociais na compreensão das circunstâncias em que estão e, consequentemente, como agem. Já na dimensão relacional, a interação dinâmica entre pessoa e ambiente, sob aspectos de envolvimento social (especialmente com amigos e familiares) e das características físico-espaciais onde a interação ocorre, gera um sentimento de comunidade. Tal local e tal grupo específico fazem a pessoa se sentir pertencente, fortalecendo sua identidade pessoal e comunitária (Cavalcante, Elali, 2011). Em complemento, Giuliani, Ferrara e Barabotti (2000 apud Cavalcante, Elali, 2011) discorrem sobre o aspecto temporal e as influências envolvidas nesse âmbito da relação pessoa-ambiente:
[...] o apego ao lugar se desenvolve gradualmente e exige algum tempo para consolidar-se, tendo como principais influências: contínua avaliação da qualidade ambiental frente às necessidades do indivíduo em questão; significado do lugar para sua própria identidade; tempo de residência e familiaridade com o local. Salientando que tais processos não são mutualmente exclusivos, ao contrário, complementam-se e interagem de modo a transformar locais indiferenciados em lugares singulares, os autores inferem a possibilidade de, em função de suas condições de mobilidade, as pessoas desenvolverem muitas (e diferenciadas) relações de apego em relação aos lugares com os quais têm contato (p.56).
2.3. Arquitetura e Urbanismo
Conforme Cavalcante e Elali (2011) descrevem: “A função primária do lugar é a de gerar um senso de pertencimento e de conexão” (p.212). Assim, qualquer alteração do ambiente em que se situam, exigem das pessoas empenho em nova apropriação e identificação. Por isso, diante de constantes transformações físico-espaciais, é preciso analisar os impactos sobre quem vivencia esses espaços, como as pessoas percebem ao seu entorno e sustentam sua identidade do lugar (Cavalcante, Elali, 2011). Especialmente diante do “efeito desterritorializador” da globalização sobre povos e indivíduos, os quais passam a caracterizar-se por um sentimento de alienação e perdimento que marcam a psicologia do homem moderno (Ianni apud Cavalcante, Elali, 2018).
A arquitetura se relaciona intimamente com a existência do ser humano e suas manifestações comportamentais em sociedade. Ela fornece bases para a percepção, para as experiências, para a compreensão. Interagindo e articulando aos sentidos em reforço contínuo para nossa apreensão da realidade. A arquitetura não é um elemento destacável e realocável. Ela estrutura e ordena aos eixos norteadores da vida social e cotidiana – conceitual e materialmente. Evoca à atenção, estimula à expansão da experiência existencial. Possibilita a expressão humana no tempo e no espaço, em sua passagem pelo mundo (Pallasmaa, 2011). Pallasmaa (2011) ilustra a complexidade da relação pessoa-ambiente:
A autenticidade da experiência da arquitetura se fundamenta na linguagem tectônica de se edificar e na abrangência do ato de construir para os sentidos. Contemplamos, tocamos, ouvimos e medimos o mundo com toda nossa existência corporal, nossa memória e identidade. Estamos em um diálogo e interação constante com o ambiente, a ponto de ser impossível separar a imagem do ego de sua existência espacial e situacional (p.61).
O urbanismo é um organismo vivo que não distingue entre interior e exterior; entre posses pessoais, coletivas, privadas ou institucionais. Ele se constitui em valores, de ordem artística, de ordem intrínseca ao ser humano. Onde a transformação da realidade ambiental retém a atenção humana. Onde se reconhece em algo que ainda não entende, e cujo significado ou afetividade o instiga a esta compreensão (Argan, 2005). Pallasmaa (2011) expressa a dinâmica profunda e reflexiva que uma ação projetual (e os processos envolvidos) solicita do profissional comprometido com o desenvolvimento desse organismo vivo:
[...] durante o processo de projeto, o arquiteto gradualmente internaliza a paisagem, todo o contexto e os requisitos funcionais, além da edificação que ele concebeu. [...] à medida que a obra interage com o corpo do observador, a experiencia reflete nas sensações corporais do projetista. Consequentemente, a arquitetura é a comunicação do corpo do arquiteto diretamente com o corpo da pessoa que encontra a obra, talvez séculos depois (p.63).
Segundo Bomfim (2010, 2014), “estimar” ao lugar permite potencializar as ações dos sujeitos na cidade, com compromisso ético-político e participação social ativa. A partir do entendimento emocional (emoções e sentimentos) das imagens e representações afetivas do lugar em que se encontra, bem como das visões de mundo vinculadas a este. Em aspecto positivo, cultiva sentimentos de agradabilidade e de pertencimento – potencializadores da ação e do espaço. Em aspecto negativo, diante de espaços em degradação e/ou geradores de sentimento de insegurança, a “estima ao lugar” é inibida. O sujeito se afasta de causas comunitárias, sociais, participativas. Nas grandes metrópoles, é possível encontrar ainda os “afetos de contrastes” que abrangem os dois aspectos a um mesmo local. Necessitando de remodelações sobre o funcionamento da cidade, com intervenções, requalificações e outras iniciativas para que se possibilite a reversão de processos, em termos sociais, de violência, de marginalização e de vulnerabilidade e, em termos ambientais, de degradação (Cavalcante, Elali, 2018). Huskinson (2021) ressalva essa natureza simbólica e subjetiva das edificações:
Edifícios são eventos dinâmicos que revelam e ocultam uma miríade de possíveis significados e provocam uma resposta imaginativa, quaisquer insights que eles supostamente evocam-no sujeito não podem ser de todo compreendidos ou decifrados em termos literais. A psicanálise permite a decodificação da linguagem inconsciente apenas até certo ponto. [...] No entanto, presumir que um edifício possa ser apropriado como objeto passivo e levado a desistir de seus segredos é negar sua natureza simbólica essencial (p.77).
O espaço arquitetônico incorpora as memórias, os comportamentos primitivos, as ancestralidades. Orienta, direciona, incita movimentos e comportamentos da contemporaneidade. Não se restringe, nem se resulta apenas de demandas funcionais e conscientes de usuários ou habitantes, de necessidades sociais e intelectuais de uma população. Ele transcende à sua geometria e àquilo que categorizamos como mensuráveis. É um espaço vivenciado, sem finitude experiencial. Promove um contato íntimo, profundo e singular em cada pessoa (Pallasmaa, 2011). Pallasmaa (2011) reforça o quanto a enaltação do sentido da visão pode ser entendida como uma ação promotora de impactos negativos ao desenvolvimento humano:
A falta de humanismo da arquitetura e das cidades contemporâneas pode ser entendida como consequência da negligência com o corpo e os sentidos e um desequilíbrio de nosso sistema sensorial. O aumento da alienação, do isolamento e da solidão no mundo tecnológico de hoje, por exemplo, pode estar relacionado a certa patologia dos sentidos. [...] O predomínio dos olhos e a supressão dos outros sentidos tende a nos forçar à alienação, ao isolamento e à exterioridade. A arte da visão, sem dúvida, tem nos oferecido edificações imponentes e instigantes, mas ela não tem promovido a conexão humana ao mundo (p.17).
Soluções pontuais ou adaptações isoladas a fim de atender determinada demanda (de acessibilidade, por exemplo), com acréscimo de elementos removíveis ou caminhos específicos (fora da circulação principal), não são mais compreendidas como adequadas em projetos de design, arquitetura e urbanismo. Ressaltando a importância de se abranger a docilidade ambiental na ação projetual, de forma a garantir a efetividade da participação e inclusão social (Cavalcante, Elali, 2018).
2.3.1. Desenho Urbano Sustentável e Ecodesign
Com a crescente expansão da população urbana, ameaças extrema ao meio ambiente e aumento de desigualdades sociais, o desenho urbano sustentável surge como alternativa ao paradigma do urbanismo tradicional. Remodelando sua abrangência conceptiva para além das construções e das infraestruturas. Onde as comunidades auxiliam na compreensão sobre as conformações de espaços urbanos resilientes, ambientalmente responsáveis e capazes de promover ao bem-estar coletivo e à prosperidade social (Omole, Olajiga, Olatunde, 2024).
A experiência urbana contemporânea requer esse pensamento consciente para além da funcionalidade, da qualidade, do estilo e da estética. O ecodesign integra a experiência profissional à perspectiva dos usuários, requisitando o envolvimento com a comunidade e um gerenciamento constante entre regulamentações e anseios e demandas desse coletivo em intervenção. Exige um novo formato para conceituar o desenvolvimento: enfatizado na percepção e interatividade diária das pessoas com a cidade, assim como a afetação desta sobre elas. Onde o objetivo é ofertar as melhores circunstâncias físico-espaciais para interações sociais, vivências memoráveis enriquecidas afetivamente, além de atender aos princípios básicos para a urbanidade, como saúde e segurança (Barnett, Beasley, 2015).
2.3.2. Placemaking
O placemaking nasce como uma ação coletiva, participativa e qualificadora de espaços públicos. Aplicável por meio de ferramentas que auxiliam no planejamento, na gestão e implementação para a ressignificação e constituição desse novo lugar de trocas e atividades sociais. Promove conexões e transformações culturais, onde se encontra a identidade local ao mesmo tempo em que se atente às demandas de quem por ali vive e convive. Também sustenta a potencialidade comunitária e do lugar, fortalecendo aos vínculos sociais e comunitários (Rocha et al., 2024).
Conforme a organização interdisciplinar sem fins lucrativos Project for Public Spaces (PPS) (2017 apud Rocha et al., 2024) descreve: “Mais do que apenas promover melhor design urbano, o placemaking facilita padrões criativos de usar, prestando especial atenção aos aspectos físicos, culturais e sociais identidades que definem um lugar e apoiam sua evolução contínua” (p.177).
2.3.3. Urbanismo Tático
Como uma dessas ferramentas, o urbanismo tático permite uma reaproximação entre a população local e os espaços públicos disponíveis em seu entorno. Visando atender demandas imediatas das comunidades e, assim, agregando novos valores ao uso desses espaços. Por meio de intervenções pequenas, de baixo custo e de menor complexidade executiva – rápidas de serem implementadas e concluídas. Onde se possibilita aos moradores, usuários, cidadãos – os seres humanos – assumirem seus papeis de agentes transformadores da cidade (Lyndon et al. apud Magrini, Campos Neto, 2024).
3. METODOLOGIA
Por meio de uma revisão literária narrativa, a presente pesquisa, com finalidade reflexiva e análise qualitativa de dados documentais foi elaborada entre os meses de fevereiro e abril de 2024. Tendo em vista a abrangência e interdisciplinaridade do problema em estudo, limitação de pesquisas disponíveis sobre tal conteúdo e o tempo para conclusão desta, optou-se por fundamentar conceitos relevantes para a discussão.
Investigando em livros do assunto específico, identifica-se, na teoria bioecológica do desenvolvimento de Urie Bronfenbrenner, aspectos do contexto físico em que esse humano se desenvolve. Assim como enumera-se os conceitos relacionados, desenvolvidos pela Psicologia Ambiental: docilidade ambiental, emoções e afetividade ambiental, enraizamento e apego ao lugar. Por fim, cita-se uma visão holística de Arquitetura e de Urbanismo e novos conceitos relacionados à prática contemporânea: placemaking, urbanismo tático e desenho urbano sustentável e ecodesign. Em complemento às fundamentações e aos esclarecimentos de conceitos envolvidos na discussão, também, formam utilizados os artigos encontrados nas buscas descritas abaixo.
Para desenvolvimento da discussão e complementação da introdução, buscou-se artigos científicos e notícias a partir de 2022. Recorte temporal escolhido atentando para reflexos e desdobramentos que podem estar vinculados ao ano em que foi declarado, no Brasil, fim da Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN), em virtude da pandemia da Covid-19 (iniciada em fevereiro de 2020 e finalizada em abril de 2022), conforme anunciado pelo Ministério da Saúde (2022). Para a busca dos artigos científicos, foram utilizadas as plataformas digitais Google Acadêmico, SciELO e Science Direct com os descritores: “Urie Bronfenbrenner” AND “arquitetura” OR “ambiente” (em inglês, “Urie Bronfenbrenner” AND “architecture” OR “environment); “apego ao lugar” OR “enraizamento” AND “bem-estar” AND “ambiente” (em inglês, “place attachment” OR “rootedness” AND “well-being” AND “environment”).
Dentre os artigos encontrados, foram selecionados aqueles cujo tema possuía relação direta com algum aspecto do estudo presente. Incluídos a partir da análise dos títulos em primeiro momento e, dos resumos, na falta de clareza desta. Em publicações entre 2022 e 2024, selecionou-se aqueles que se voltavam para as relações e percepções humanas, relações pessoa-ambiente associadas com arquitetura, urbanismo, sociedade, cultura no contexto da pesquisa (ambientes físicos com interação humana).
Uma nova triagem foi feita a partir da reanálise dos resumos, juntamente às conclusões dos artigos. Excluindo aqueles cujo objetivo da pesquisa se voltava para outras realidades e especificidades não abordadas aqui como: realidade virtual, realidade aumentada, influências comportamentais pelo uso de tecnologias, mecanismos, estímulos e respostas neuronais, doenças específicas, distúrbios comportamentais, deficiências físicas ou mentais etc.
Para exemplificação com casos, buscou-se, em mesmas plataformas citadas, estudos na cidade de São Paulo em publicações do ano de 2024 com os descritores: “São Paulo” AND “revitalização” AND “arquitetura” OR “urbanismo” (apenas em português). Além disso, para introdução a este estudo, também houve análise de legislações. Selecionando aquelas que influenciam diretamente a cidadania e possibilidades de relações sociais, urbanidade e oportunidades de relações pessoa-ambiente em São Paulo: Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo (Lei nº 16.050 / 2014), Estatuto da Cidade (Lei 10.257 / 2001) e Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
4. RESULTADOS E DISCUSSÕES
Há evidencias que sugerem que a situação ideal para aprendizagem e desenvolvimento acontece quando criamos oportunidades para a pessoa praticar seu controle sobre a situação, a partir de uma gradual alteração de poder (Bronfenbrenner, 1981). Como possibilitar um encontro com as emoções e a afetividade ao seu contexto físico, uma docilidade ambiental, ou ainda, o desenvolvimento de apego ao lugar para que essa gradual alteração de poder possa existir?
Quando se projeta espaços públicos estáticos, cujos parâmetros são padrões definidos por ou para um determinado grupo social, por ou para determinadas percepções e projeções de realidades – tal como a revitalização do Vale do Anhangabaú, em São Paulo? Conforme Dias (2023) comenta em sua publicação digital para o portal A Vida no Centro: “Ignorando e desprezando o que havia antes, vem de novo outro território estranho ao passante desavisado. [...] A sociedade exclui espaços fraternos e substitui com revitalização, ignora tratos sociais e afasta pessoas, simples pessoas”.
Ou quando se projeta construções rígidas e de estruturas dificilmente modificáveis em implantações descontextualizadas – tal como os padrões construtivos e abordagens projetuais para programas do Minha Casa Minha Vida (PMCMV), em São Paulo? Legroux (2021 apud Da Silva, 2024) apresenta os impactos negativos dessa realidade para a cidade e a sociedade:
[...] estudos recentes têm demonstrado processos de fragmentação, a partir de uma “segregação imposta” por dinâmicas imobiliárias e neoliberais da produção do espaço e pela ação do Estado, desde projetos do PMCMV, com o confinamento e o afastamento espacial e social das classes populares (p.9).
Será que se planeja e se concebe ambientes promotores de desenvolvimento humano? Com estímulos à segurança psicológica de quem neles vive ou convive? Com reforço positivo ao senso de pertencimento e de identidade, do seu enraizamento? Rocha (2024) considera a seguinte hipótese, incorporando a abordagem da política brasileira:
[...] no Brasil, o poder público quando da concepção e implementação de espaços de convivência nas cidades não consideram as pessoas, habitualmente, para quem estes espaços se destinam, como parte constitutiva do processo, não identificando junto a elas seus anseios e necessidades para o lugar, resultando em projetos não centrado nessas pessoas, mas apenas para suprir ausências por eles identificadas sem a participação. Este fato leva a algumas problemáticas: uma delas é ter espaços criados para um uso e que as pessoas, a partir da implementação, darão outro valor de uso. Outro exemplo são os projetos não pensados nos diferentes públicos, acabando por ser excludentes (p.185).
Em um estudo de observação conduzido por Weinraub e Lewis, em 1977, foi observado o comportamento de crianças de 2 anos a partir da saída de suas mães de uma sala de brinquedoteca, cenário do experimento. As crianças cujas mães informaram de sua partida e/ou seu breve retorno e deram orientações específicas do que fazer neste tempo, se demonstraram mais propensas a continuar brincando e menos, a chorar. Já as crianças cujas mães saíram discretamente sem aviso, se demonstraram mais propensas a chorar e menos, a continuar brincando (Bronfenbrenner, 1981).
Será que a falta de uma comunicação direta e participativa entre os usuários locais e quem executa e/ou propõe uma intervenção física de um espaço não gera um sentimento similar ao percebido pelas crianças? Onde, de um instante para outro, tiveram suas percepções de realidade alterada pela conscientização de um novo cenário (no caso do estudo: da ausência da mãe)? Sem aviso prévio, nem orientativo sobre as possibilidades interativas desta intervenção físico-perceptiva no seu espaço usual, no seu contexto até o instante anterior à sua conscientização?
Coloca-se em pauta o planejamento urbano dessa cidade contemporânea. Onde a privatização e supressão de espaços públicos, bem como o crescimento do mercado imobiliário e a reprodução de padrões genéricos retraem a humanização e a identidade dessa cidade (Magrini, Campos Neto, 2024). Magrini e Campos Neto (2024) sugerem iniciativas e práticas alternativas que podem ajudar na requalificação dos espaços urbanos em prol de um desenvolvimento socioambiental saudável:
Dentre as práticas alternativas existentes, é relevante salientar a utilização de espaços vazios, degradados ou abandonados como pontos de partida para a reconquista dos espaços públicos. Por meio das micro intervenções urbanas colaborativas, é viável modificar os espaços e repará-los com iniciativas que valorizem seus recursos culturais e aprimorem a qualidade de vida, por meio da integração da comunidade. Essas iniciativas incluem a criação de parques, praças, jardins e outras áreas verdes que ajudem a aprimorar a qualidade ambiental e social da cidade (p.707).
Observa-se ainda que projetos cujos moradores e usuários locais são ouvidos e envolvidos em todo o processo de concepção e desenvolvimento possuem maior probabilidade de se caracterizarem como um espaço inclusivo. Com identidade singular em reflexo às necessidades e desejos da comunidade local, além desses espaços se tornarem promotores de um senso de pertencimento (Rocha, 2024).
O Parque Augusta, contendo o último trecho de mata atlântica na região central da cidade de São Paulo, é visto como um exemplo bem-sucedido que se desenvolveu a partir de uma iniciativa popular. Proporcionando à população consciência sobre o uso do direito à cidade e do urbanismo tático como ferramenta para alterações de paradigmas no planejamento urbano. Neste terreno, os proprietários e incorporadores imobiliários defendiam a construção de condomínios verticais de uso misto. Ao mesmo tempo em que cidadãos engajados e a sociedade civil solicitavam espaços públicos e áreas verdes para a região (que carecia destes) (Magrini, Campos Neto, 2024).
Após décadas de negociações, a prefeitura e construtoras entraram em acordo, se valendo do instrumento jurídico de Transferência do Direito de Construir – TDC, e construíram o parque, inaugurado em novembro de 2021. Este parque passou a ser referência de lazer, cultura e conexão com a natureza não apenas para os moradores e usuários do entorno, como também, de outras regiões da cidade pela facilidade de acesso. Beneficiando e agregando qualidade à cidade como um todo. Ressalva-se, porém, que é igualmente importante a manutenção, preservação, conservação desse espaço público (Magrini, Campos Neto, 2024). Magrini e Campos Neto (2024) analisam como promissora esta forma de abordagem coletiva para intervenções:
Dessa forma, é fácil compreender a contribuição desse movimento para a elaboração de um novo modelo de administração urbana, que se baseia na escala dos pedestres, na reapropriação da cidade e na reconfiguração do conceito de público, visando uma cidade mais participativa e inclusiva (p.710).
Já no caso do Cemitério da Consolação, também localizado na região central de São Paulo e tombado pelo CONDEPHAAT, a efetivação em transformá-lo em um espaço de fruição cultural ocorreu em 2015, 10 anos após ter sido incluso no roteiro turístico da cidade, a partir da percepção de seus túmulos como “Arte Tumular” ou “Personalidade Histórica”. O Projeto Memória e Vida se vale do passado histórico do cemitério para estimular seus visitantes a reflexões sobre o passado e o presente, a fim de promover melhor compreensão de problemáticas da sociedade atual. A exemplo, a disputa espaço-territorial “entre vivos e mortos”. Abordando variadas questões – na ordem da saúde, da arquitetura e do urbanismo, de parâmetros legislativos, da religiosidade e do simbolismo, da apreciação artística e iconográfica, da própria importância histórica para a cidade – para estimular a conscientização de um significado mais amplo do que um simples espaço físico ocupado por pessoas falecidas (Londero, Rocha, Barros, 2024).
Conforme Pallasmaa (2011) descreve: “A arquitetura nos conecta com os mortos; por meio dos prédios conseguimos imaginar o alvoroço da cidade medieval e visualizar a procissão solene que se aproxima da catedral” (p.49). O próprio Serviço Funerário Municipal de São Paulo (2016 apud Londero, Rocha, Barros, 2024) entende a necessidade de ressignificação e valorização cultural desse espaço urbano:
Para permitir uma ocupação cidadã desses espaços é preciso incentivar uma nova percepção acerca das necrópoles municipais. Nessa direção são necessárias ações que deem novo significado a esses locais, reconheçam também sua função histórica /social como polo cultural, disseminador de conhecimento, espaços de pesquisas interdisciplinares e ressaltem ressaltar sua vocação como parques de memória que representam, para as famílias, o depositário das lembranças, das histórias mais doces e vivas dos entes ali sepultados e, para a sociedade, um registro significativo de sua história, de memória e celebração da vida (p.13).
Será que a Identidade da cidade se caracteriza apenas por sua arquitetura e concepção urbanística? Será que o sentimento de pertencimento de cada pessoa, de seu enraizamento, de sua apropriação, de seu apego ao lugar se dá na entrega de um abrigo às intempéries ou acesso à saneamento básico? O que leva a uma conexão real, complexa, coexistencial, a uma afetividade ambiental com esses espaços que contextualizam à vida e ao desenvolvimento humano? Será que as revisões urbanas, as mobilizações socioeconômicas estão abrangendo e amparando aos vulneráveis de forma a oportunizar aprendizagem socioemocional, respeito, cooperatividade e, assim, desenvolvimento humano para a sociedade como um todo? Segaud (2016) comenta sobre a invisibilidade de grupos sociais no âmbito da habitação:
Tudo isso reflete a imensa distância que pode existir entre os dados antropológicos relativos ao espaço do habitat e as soluções como as que são formuladas nos projetos de arquitetura habitacional. A essa distância, é preciso acrescentar um elemento muito difícil de identificar e que diz respeito à maneira como o habitat moderno é vivido nas sociedades industriais: sabe-se que, para muitos recém-chegados, imigrantes legais ou clandestinos, o habitat permanece uma instância capital de integração no país que os acolhe (p.75).
A aquisição de conhecimento acadêmico não é o único ator no processo de aprendizagem. A participação ativa da sociedade também se revela importante. Possibilitando o desenvolvimento de habilidades, valores, pensamento crítico e consciência social. É por meio dos espaços públicos que essas vivências enriquecedoras e experiências significativas são possíveis. Assumindo seu caráter democrático e interativo no contexto urbano (Pereira et al., 2024).
No caso dos grafites, na cidade de São Paulo, observa-se que ausência ou presença destes contribuem para uma segregação sociocultural. Quando esta cidade deveria ser um espaço receptivo, inclusivo, aberto às variadas formas de ser, estar, se expressar. Valorizando o modo de vida das pessoas que ali convivem e transformando seus espaços a partir de suas práticas cotidianas. Onde a cidade assume sua importância na formação de uma sociedade mais justa e cooperativa. Onde políticas públicas prezam pela promoção do bem-estar das pessoas e não apenas da estética da cidade. Viabilizando a potencialidade educativa desta com práticas e usos de seus espaços condizentes às necessidades de seus moradores (Marangão, 2024).
Pallasmaa (2011) descreve o sentimento que se manifesta no campo da percepção simbólica: “Uma sensação de melancolia permeia todas as experiências tocantes de arte; esse é o pesar da temporalidade imaterial da beleza. Os projetos de arte são um ideal intangível, o ideal de beleza que momentaneamente toca o eterno (p.51)”. Enquanto Nogueira, Favareto e Arana (2022) reforçam a relevância de incorporar no desenho urbano o respeito a e o entendimento de relações pessoa-ambiente e necessidades sociais entre indivíduos:
O ser humano, enquanto indivíduo, precisa acionar a espontaneidade para agir diante da pandemia de forma saudável, e a coletividade precisa melhorar e rever as relações com o meio ambiente. É necessário, portanto, reavaliar a forma como as cidades são desenvolvidas e planejadas, além de que, necessitamos, com urgência, desenvolver o senso de coletividade e empatia entre as pessoas e os povos que habitam o planeta (p.7).
Para Beatriz Rufino, do Departamento de Projeto na área de Planejamento Urbano da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP, o interesse econômico se voltou para os interesses da produção imobiliária. Em menos de um século, áreas já historicamente valorizadas – e até então, já com grande produção – passaram a receber os olharem lucrativos junto aos eixos de mobilidade (bairros Vila Mariana e Pinheiros). Além disso, essa velocidade produtiva tem destruídos paisagens, passagens e memória da cidade (substituindo construções originárias por múltiplas verticalidades), construindo e consolidando novas centralidades: Centro, Paulista, Faria Lima. Também reforça o descaso e desinteresse à preservação das construções existentes – externas ao foco imobiliário da atualidade –, sendo esquecidas e esvaziadas em meio às novas produções (Medeiros, 2022).
Há uma projeção próxima ao dobro de novos condomínios para 2024 (818), em relação ao ano passado (424), em São Paulo – segundo os dados levantados pela administradora de condomínio (Data) Lello. Onde empreendimentos residenciais de médio e alto padrão – estimados em R$15,2 a R$22,5 mil o metro quadrado – somam mais de 50% (60,8%) dessa verticalização na cidade, localizados predominantemente nos bairros: Pinheiros, Vila Nova Conceição, Vila Clementino, Moema, Perdizes, Itaim Bibi e Vila Mariana. Enquanto os de padrão médio-baixo – estimados em R$9,05 mil o metro quadrado – ficam em 24,2%, localizados predominantemente em bairros mais periféricos: Butantã, Barra Funda, Belenzinho, Cambuci e Ipiranga. Apenas 11,5% dessas produções imobiliárias serão destinadas aos residenciais de padrão econômico – estimados em R$6,5 mil o metro quadrado –, localizados predominantemente em outros bairros periféricos: Parque Novo Mundo, Guaianases, Itaquera, Paraisópolis e Pirituba (Quesada, 2024).
Em experiência pessoal do autor, constata-se a inversão dos valores dispostos no Plano Diretor de São Paulo sobre a fruição pública e a realidade disponibilizada aos cidadãos. Em fevereiro de 2023, encontra a uma praça aberta, sem barreiras visuais, com espaços de uso livre e diverso sob o empreendimento ARQ Vila Mariana, da construtora you,inc, no bairro de Vila Mariana, em São Paulo (figura 3). Mas, em janeiro de 2024, em busca dessa mesma praça, depara-se com seu fechamento, junto à calçada, em vidro (figura 4). Com uma porta, ainda que livre para acesso quando empurrada (havendo sistema de tranca, se necessário). Porém, a primeira impressão foi de que essa praça não mais era pública e, assim, se sente intimidada a adentrá-la. Um sentimento de apreensão e vigilância. Será esse o modelo prático que se observará do conceito de fruição pública? Do direto à cidade, das oportunidades de convivência sociais, de apego ao lugar, de requalificação e ressignificação da vida urbana?
À esquerda (3), a perspectiva ilustrada disponível no ebook do empreendimento com o seguinte descritivo: “A praça é o centro de tudo. [...] Um espaço raro nas grandes cidades, conectando pessoas e serviços.” Disponível em: https://www.youinc.com.br/imovel/apartamentos-venda-vila-mariana-sao-paulo-sp-arq-vila-mariana-by-youinc. Acesso em: 21 abr. 2024. À direita (4), foto da praça cercada por vidro, tendo seu acesso por uma porta. Arquivo pessoal do autor, 2024.
Outra situação testemunhada pelo autor se deu em um empreendimento residencial voltado para a população de baixa renda e situado em mesma quadra fiscal (e quadras vizinhas) de outras favelas no bairro do Campo Belo. Na esquina, junto à Rua Gutemberg e Rua Casemiro de Abreu, onde próximo ao limite do terreno, há um único escorregador. Observa-se o momento em que uma criança brincava neste escorregador, ao mesmo tempo em que outra – do lado de fora, encostada, segurando aos travamentos verticais sobre uma pequena mureta e com o rosto entre as grades de fechamento desse empreendimento, olhava a criança que escorregava. Será esse o tipo de relação que desenvolve aos seres humanos? Quais as emoções e afetividades ambientais geradas para cada uma dessas crianças? Será esse o tipo de relação que o direito à cidade, em sua forma prática, oferece? O que se considera como contexto físico da realidade vivida e contexto afetivo daquela que se planeja?
Políticas públicas interferem no desenvolvimento das pessoas e seus comportamentos, pois são determinantes das condicionantes para criação dos cenários que elas estão inseridas (Bronfenbrenner, 1981).
Em estudo conduzido por Halles, Kennel e Susa, em 1976, foi observado que mães em contato com seu recém-nascido logo após o nascimento (até 45 minutos) demonstraram uma relação mais atenta e afetuosa com seu bebê, em relação às mães que tiveram esse contato somente após 12 horas do nascimento. Em 1977, Ringler observou que crianças de 5 anos de idade, cujas mães tiveram contato imediato aos seus recém-nascidos, tiveram maior quociente de inteligência (QI) e melhor entendimento e compreensão da linguagem em relação às que não tiveram tal contato (Bronfenbrenner, 1981).
Será que se dedica atenção suficiente para o primeiro contato dos humanos com os ambientes aos quais estão inseridos, especialmente aqueles aos quais se intervém / intervirará arquitetônica-urbanisticamente? Se o primeiro contato com a mãe se demonstra de tamanha significância para um melhor desenvolvimento desse ser humano e, levando-se em consideração que não há como desenvolvê-lo sem um ambiente, segundo Bronfenbrenner (1981), será que está se dedicando o devido cuidado às relações primárias, embrionárias das pessoas com os ambientes? Cada nova percepção de realidade, consciência de um novo contexto não submete à apreensão e busca por elos, relações, sentidos, possibilidades circunstancialmente conhecidas? Tal como no caso dos bebês, no estudo de Weinraub e Lewis, mencionado anteriormente, no instante de percepção da ausência de suas mães sem notificação prévia? Pallasmaa (2011) ressalva os impactos negativos, à percepção humana, dos estímulos ambientais diversos, descontextualizados e ininterruptos:
O bombardeio incessante do imaginário não relacionado leva a um esvaziamento gradual do conteúdo emocional das imagens. As imagens são convertidas em mercadorias infinitas fabricadas para postergar o tédio; os próprios seres humanos são mercantilizados, se consumido de modo indiferente, sem ter a coragem ou mesmo a possibilidade de confrontar sua própria realidade existencial. Somos feitos para viver em um mundo de sonhos fabricados (p.32).
Situando a reflexão no processo de desenvolvimento humano na teoria bioecológica de Urie Bronfenbrenner (1981): como se possibilita esta pessoa prosperar, sustentar ou remodelar ao ambiente ecológico em que se encontra, se ela não é envolvida nos processos referidos, se ela não participa da alteração físico-espacial do ambiente – do contexto – de seu cotidiano? Não estaria o contato embrionário pessoa-ambiente, os sentidos e sentimentos humanos sendo perdidos, precarizados ou inviabilizados?
Esse nível de complexidade perceptiva da realidade não está relacionado com as emoções e a afetividade ambiental? Com a percepção de um senso de pertencimento e de identidade, do seu enraizamento? E o quanto a docilidade ambiental impacta nas oportunidades reais do desenvolvimento humano? Pallasmaa (2011) aborda a priorização contemporânea do sentido da visão (e negligência aos demais sentidos):
Um fator extraordinário na experiência de fechamento de espaços, criação de interiores e tatilidade é a suspensão deliberada da visão focada e concentrada. Essa questão raramente tem entrado no discurso da teoria da arquitetura, que insiste em se interessar pela visão focada e pela representação em perspectiva com intenções conscientes. [...] A visão periférica nos integra com o espaço, enquanto a visão focada nos arranca para fora do espaço, nos tornando meros espectadores (p.12).
O desenho urbano sustentável não somente se refere às práticas para reduções de impactos ambientais. Ele também incorpora o bem-estar da vida coletiva com práticas focadas nas necessidades e aspirações da comunidade. Promovendo espaços urbanos mais resilientes, convidativos à mobilidade ativa, interações sociais e participação coletiva. Trabalhando holisticamente aspectos ambientais, sociais e econômicos neste ambiente urbano para garantir a equidade social (Omole, Olajiga, Olatunde, 2024). Espaços urbanos que não apenas atendam aos princípios básicos, como segurança e eficiência, acesso à saúde e ao transporte público, mas, principalmente, que provoquem aos sentidos, às emoções, aos sentimentos de forma a gerarem experiências significativas e memoráveis em interações socioambientais (Barnett, Beasley, 2015).
Um convite aos governos e instituições a investirem em novas propostas urbanas e abordagens criativas para assegurarem a qualidade dos espaços e o bem-estar coletivo (Omole, Olajiga, Olatunde, 2024). O ecodesign requer uma gestão integrativa entre reformulações de regulamentações – de forma a coordenarem a maximização dos benefícios e minimização dos custos e efeitos indesejáveis – e oportunidades de flexibilidade para as pessoas e as empresas se expressarem em realização aos seus objetivos próprios. De forma a possibilitar, cotidianamente, uma experiência urbana satisfatória, realizadora e agregadora ao desenvolvimento pessoal de todos os cidadãos (Barnett, Beasley, 2015).
Uma forma de mitigar à densidade urbana é incorporando ao desenho paisagístico. Canteiros gramados e arborizados, assim como jardins ornamentados junto às fachadas suavizam a percepção das construções massivas. Outra medida é aumentar ao recuo das torres junto às divisas, limitando à três ou quatro pavimentos a massa construída ao longo do passeio – isso reduz consideravelmente a opressão gerada pela proximidade a construções altas (Barnett, Beasley, 2015). Arquitetos e urbanistas também podem contribuir com ações e/ou projetos que envolvam a comunidade – em workshops, por exemplo – resultando em concepções e processos de desenvolvimento mais inclusivos. Promovendo espaços com usos mistos (comerciais, residenciais e recreativos), em variadas combinações e convidativos ao uso comunitário. Oferecendo modelos mais harmônicos para relações pessoa-ambiente melhores desenvolvidas (Omole, Olajiga, Olatunde, 2024).
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Antes de projetar arquiteturas para pessoas ou planejar o desenho urbano para populações; antes de interpretar a legislações que coordenam às pessoas em suas ações; antes de definir metas e objetivos mensuráveis e materializáveis, é necessário entender a importância da relação pessoa-ambiente no processo de desenvolvimento humano. É necessário entender quem é esse ser humano que se forma e é formado. É necessário entender as emoções e os sentidos que mobilizam às pessoas – em seus campos perceptivos, em suas zonas de desempenho, em suas relações diversas – para movimentos expansivos e, ao mesmo tempo, restaurativos.
É necessário zelar pela afetividade ao lugar, oportunizando a apropriação, manutenção e adaptação dele em respeito e em coerência às demandas e aos anseios de seus moradores e usuários. É necessário cuidar para que as intervenções físico-espaciais não sejam desenraizadas de seu entorno, nem invadam às percepções de realidade daqueles que por ali habitam, se relacionam, se referenciam, se identificam. É necessário encontrar às materialidades espaciais que estruturam ao desenvolvimento humano e que acompanham às pessoas e suas comunidades ao longo de todos os seus processos vitais. São necessárias concepções dinâmicas e sistêmicas, envolvidas com todos os atores, compreendendo às complexidades relacionais das populações referidas e às potencialidades transformadoras de cada localidade em sua diversidade.
Mas respeito à pessoa e ao ambiente, atenção aos afetados e passíveis de afetação, dedicação ao processo de compreensão e estudos contextualizados não parecem mais ser compatíveis, sob parâmetros de tempo e investimento, com o setor político-econômico da contemporaneidade. Não existe cuidado com as transições ecológicas, nem sustentação da docilidade ambiental. Ao menos, na capital paulista. Eis, então, a relevância da participação social ativa. Por meio da qual as pessoas conseguem se perceber em convivência, aprender com sua coletividade e contribuir espontaneamente com ações empáticas e coerentes com a realidade dos que ali vivem. Por meio da qual as pessoas conseguem encontrar ao valor e à estima dos espaços públicos, do seu entorno, da sua identidade.
Com o caso do Parque Augusta é possível perceber, também, elementos sugestivos de apego ao lugar: percepção positiva/potencial do espaço pela comunidade, com relevância histórica-simbólica aos participantes e trazendo visibilidade às necessidades e carências locais a partir de interações e organizações sociais. Além disso, o fato de hoje ser referência de lugar de lazer e recreação para moradores e frequentadores de outros bairros, tende a se caracterizar como um ambiente dócil.
Ao intervir fisicamente em sua percepção socio-física, qual o desenvolvimento que se estima para este ser humano? Para sua aprendizagem em convivência social e em coexistência ecossistêmica; para seu pertencimento existencial; para sua cooperação intrínseca e transcendental? A abordagem por meio de um ecodesign talvez permita a aproximação a essas compreensões. Conciliando as regulamentações, que coordenam as limitações dos espaços físicos, à flexibilidade espacial necessária para atender às demandas, aos anseios e às necessidades da comunidade local, requisitando a participação destes junto aos profissionais responsáveis pela intervenção. Para, assim, desenvolverem conjuntamente a todas as etapas que conformam aos espaços urbanos e possibilitarem ajustes cotidianos para que as pessoas possam se adaptar, com segurança psicológica, a transições ecológicas.
Observa-se, contudo, que o processo de desenvolvimento humano é complexo e incessante. Presente em cada instante das percepções e das ações humanas. Não apenas os pensamentos literais, mas o ócio e as reflexões inconscientes fazem parte desse processo. Revelando a Arquitetura e o Urbanismo como fatores físicos elementares de um contexto propício para o desenvolvimento. Onde os espaços públicos tendem a ser estruturantes da estabilidade para o processo de desenvolvimento humano, visto seu caráter democrático, potencializador de interações sociais, adaptativo em seu uso por diversos papeis sociais e acessível por variadas fases do desenvolvimento pessoal. Agindo em e articulando com todos os níveis de ambientes ecológicos (micro-, meso-, exo-, macrosistema) conceituados por Bronfenbrenner (1981). Sugerindo que tanto o desenho urbano de um macrossistema, quanto a arquitetura de um microssistema interferem, em maior ou menor intensidade, no desenvolvimento da pessoa ao qual estão relacionados.
Pode-se refletir, ainda, sobre o processo de aprendizagem fora do ambiente escolar e a importância de rever os valores arquitetônicos-urbanos-culturais, como discutido no caso do Projeto Memória e Vida, no Cemitério da Consolação, em São Paulo. Por outro lado, também há os efeitos de uma cidade com precariedades das relações pessoa-ambiente. Tal como a insegurança e perspectivas negativas sobre um futuro próximo na atual localidade – sintomas do desenraizamento, segundo Cavalcante e Elali (2018). Ou ainda, as segregações socioculturais, discutidas no caso dos grafites, em São Paulo. É possível que o desenho urbano sustentável seja capaz de ressignificar esses descasos e outras contradições urbanas. Na medida em que a relação pessoa-ambiente, a comunidade local, a ética e responsabilidade socioambiental passam a ser incorporadas na abordagem de intervenções físicas e visões holísticas dentro dos processos de desenvolvimento urbano, possibilitando maior coerência psicossocial entre ambientes ecológicos.
Assim, entende-se a relevância da temática política, sociedade e desenvolvimento em discussões e pesquisas. Levantando e analisando aspectos contemporâneos que necessitam de revisões ou aprofundamentos conceituais e/ou metodológicos em suas aplicações práticas. Atentando para a temporalidade que esse tema abrange, considerando o período de processamento sistêmico-natural humano e o período dos desdobramentos em relação à uma intervenção ou concepção proposta. Aspectos que, por sua vez, solicitam mais estudos com o objetivo de entender a importância da relação pessoa-ambiente no processo de desenvolvimento humano.
Para pesquisas futuras, cabe ressaltar a necessidade apresentada por muitos pesquisadores, sobre englobar aspectos transversais e a realização de estudos longitudinais a respeito da relação pessoa-ambiente. Em complemento direto ao estudo aqui apresentado, outros conceitos da Psicologia Ambiental podem aprofundar seu entendimento, entre eles: affordance, biofilia, apropriação, percepção de risco, identidade do lugar e identidade social urbana. Assim como da Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem: os fatores de risco e proteção para o desenvolvimento saudável – o quanto as características dos espaços físicos e suas qualidades ambientais podem estar associadas. Compreensões fundamentais para enriquecer as abordagens, em atual desenvolvimento, do desenho urbano sustentável e do ecodesign.
Contribuições de outras áreas também podem trazer luz a novos conhecimentos sobre a relação pessoa-ambiente. Na Antropologia, analisando processos construtivos de valores culturais (objetos, hábitos, rituais, tradições, visões de mundo) de seus indivíduos e de seus coletivos e como estes se revelam, se avigoram no espaço físico. Na Sociologia, identificando aos elementos construtivos e afetivos da identidade de um povo, de uma nação e das ações que retroalimentam essa identidade autêntica e fortalecida. Na Filosofia, compreendendo aos níveis de consciência humana e identificando as circunstâncias que possibilitam transitar entre eles (entendo à construção da percepção físico-espacial), assim como associando-os às relações Eu-Tu e Eu-Isso (conceituação introduzida por Martin Buber).
Outras legislações importantes ao tema são o Estatuto da Pessoa Idosa (Lei nº 10.741 / 2003), o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069 / 1990) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/1996). Olhando mais cuidadosamente para as necessidades e as demandas das pessoas em todas as fases da vida, bem como, seus processos formativos para além da formação acadêmica. Alertando para a sensibilidade e capacitação necessária de todos os envolvidos nos processos arquitetônicos e urbanísticos para compreender e promover aos contextos físicos coerentes com a vida coletiva existente e almejada pela comunidade. Ofertando, nesses espaços, nesses lugares, nesses ambientes a flexibilidade, a adaptabilidade, a docilidade ambiental e, principalmente, ofertando estímulos às relações sociais e participações ativas na sociedade. Desenvolvendo um caráter arquitetônico-urbano dinâmico, democrático, inclusivo e significativo para os que ali usam, transitam, habitam. Proporcionando não somente a cidadania, mas também, fortalecendo a relação pessoa-ambiente dentro do contexto presente e ao longo de todos os processos de desenvolvimento humano.
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